terça-feira, 15 de março de 2011

Os Novos Baianos e a contracultura no Brasil

Por Débora Alcântara*
De Salvador

Mais que dois. Descalços, andando pelo mundo, como eram, como podiam ser, tinindo, trincando, vestidos de lunetas, deixando e recebendo um tanto. Assim foram Os Novos Baianos, um movimento nascido em 1969, em Salvador. Um exemplo bem particular e expressivo de como se deu a digestão dos preceitos beatniks e hippies no Brasil. A trupe era formada por Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira, Pepeu Gomes e Baby Consuelo, a niteroiense que se apaixonou pela Bahia e que acabou se casando com Pepeu.


Meio mambembes e já com outros agregados, além de suas famílias, como um índio boliviano que conheceram na Bahia, foram morar no Rio de Janeiro em 1970.


Despejados do apartamento em que moravam em Copacabana por falta de pagamento, foram parar num sítio comunitário, em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio. Lá tiveram a fase mais lúdica de sua história, onde montaram uma espécie de “neossocialismo”, como eles mesmos denominavam. Era o chamado Cantinho do Vovô, um mundo forjado com muita alegria, música e futebol. Um jeito de a criatividade respirar em tempos de repressão. Em aspas publicadas pelo Almanaque Brasil, Luiz Galvão avalia que “o grupo enfrentou o tempo Médici como numa partida de futebol, dando sangue, suor, inteligência, calma, juventude, alma e todas as virtudes para vencer e, na pior das hipóteses, empatar”. Esse novo pequeno mundo era sempre freqüentado por Gilberto Gil, Caetano Veloso e Tom Zé, e recebeu visitas de muitos outros artistas, como João Gilberto, cuja influência deixou marcas na música da trupe.
Volta e meia eles tiveram problemas com a polícia, como descreve o site do Almanaque Brasil. “Tanto por porte de drogas, das quais eram adeptos para ‘se livrarem das idéias opressoras’, ou simplesmente porque eram cabeludos”.

Em dez dias, no ano de 1973, o produtor Solano Ribeiro, precursor do modelo dos “festivais de música” no Brasil dos anos 60 e 70, conseguiu registrar um pouco desse sistema alternativo dos Novos Baianos, com o documentário “Novos Baianos FC”. A encomenda freelancer para uma emissora alemã acabou se tornando uma pérola que mostra um pouco de como aconteceu um dos mais importantes movimentos contraculturais brasileiros. É um tanto do dia-a-dia daquela gente beat. O único jeito de gravar com o grupo, simplesmente pela razão de serem “inadministráveis”, como dizia o próprio Solano.

O documentário está disponível no Youtube em seis partes. Nós agregamos todos eles para que você se deleite e conheça um pouco mais desse movimento. Verão como os instrumentos eram tocados ao ar livre, como os músicos se sentiam, como as vozes se soltavam, como interagiam. Tudo isso alternado com partidas de futebol, banhos de mangueira, a preparação das refeições e trocas de afeto. E as cenas diárias eram deveras assim: crianças brincando, a bola rolando, um violão vibrando, uma guitarra gritando, um afoxé sacudindo, roupas secando no varal, tambores e atabaques como num terreiro, a panela no fogo à lenha, a melodia, a criação. “O novo baiano é aquele que não admitiu deixar de ser menino, que tem de saber de duas coisas, pelo menos, como carregar um tronco de árvore por um quilômetro e fazer música. O novo baiano é um cara alegre, que acredita que a vida está começando”. Palavras de Luiz Galvão no documentário.

NOVOS BAIANOS FC (Solano Ribeiro)


*Débora Alcântara é jornalista

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