segunda-feira, 16 de julho de 2012

Zero parece nada, mas não é


Por Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos*
Texto originalmente publicado na revista Vox Scientiae do Núcleo José Reis da ABRADIC no número 53, edição de Nov/Dez de 2009.


Muitas pessoas acham que o zero é o número do nada. Se não há elefantes em sua casa, quantos estão lá? Zero. Se os bombons de uma caixa acabaram, quantos sobraram? Zero. O próprio símbolo do zero, 0, é um espaço vazio.

O zero é chamado de número nulo. Consequentemente os números diferentes de zero são denominados “não nulos”. Mas ser nulo é diferente de não ser. Se o zero fosse nada, ele não poderia ser incluído em vários conjuntos numéricos. Para entender o zero é necessário estudar a relação dele com os outros números.


Zero na soma

O zero na soma não faz diferença. Somar com zero e não somar é a mesma coisa. Por exemplo:


1+0=1


2+0=2


0+0=0


(-1)+0=-1


(-2)+0=-2


Cada número envolvido em uma soma é chamado de parcela. A odem das parcelas não altera a soma. Por exemplo, 2+3=3+2=5, 3+7=7+3=10, etc. Em linguagem matemática, a soma obedece a “propriedade comutativa”. Por exemplo:

0+1=1+0=1

0+2=2+0=2

(-1)+0=0+(-1)=-1

(-2)+0=0+(-2)=-2

Assim zero somado com outro número resulta no “outro número”. Então somar um número com zero ou somar zero com outro número sempre resulta no “outro número”. Por esta razão, o zero é definido pelos matemáticos como “elemento neutro da soma”. Elemento neutro porque ele não altera o número somado.

A frase “algo mais nada é algo” parece com “um número mais zero é o próprio número”. Qual é a diferença entre considerar o zero um nada ou o elemento neutro da soma?

Zero na subtração

Subtrair zero de algum número implica em não diminuir o número. Assim um número menos zero é ele mesmo. Por exemplo:

1-0=1

2-0=2

0-0=0

(-1)-0=(-1)

Mas quanto vale zero menos um número? Se há 3 litros de água em um balde, é impossível retirar 7 litros dele. Neste contexto não faz sentido subtrair o maior do menor. Mas se uma pessoa tem 3 reais, ela pode gastar 7 e endividar-se. A dívida seria de 4 reais, o que equivale a ter (-4) reais. Então há contextos onde faz sentido subtrair um número de zero.

A subtração não é uma operação comutativa. Subtração é anticomutativa. Em outras palavras, mudando a ordem dos números envolvidos o resultado inverte de sinal. Por exemplo:

7-3=4

3-7=-4

ou

(-1)-2=-3

2-(-1)=3

Assim zero menos um número pode ser resolvido. Por exemplo:

1- 0=1

0-1=-1

ou

2-0=2

0-2=-2

ou ainda

(-1)- 0=-1

0-(-1)=1

Observando apenas os resultados finais, é possível notar que o zero inverteu o sinal do outro número. Zero menos 1 resultou no 1 invertido, (-1). Zero menos 2 ficou (-2). Da mesma forma, o zero menos (-1) resultou no inverso de (-1), 1.

 Subtrair um número “por” zero não altera nada. A frase “algo menos nada é algo” faz sentido. Mas subtrair um número “de” zero inverte o sinal. Então o zero começa a aparecer como um número que faz diferença. Se o zero é nada, então “nada menos algo é o oposto de algo”. Se o oposto de algo sai do nada, este nada é alguma coisa.

Zero na multiplicação

Multiplicar zero por algum número não nulo equivale a somar o zero várias vezes.

0x1=0

0x2=0+0=0

No exemplo acima o zero foi somado com ele mesmo. O segundo zero não alterou o primeiro. Outra forma de ver esta conta é que o primeiro zero não alterou o segundo. Assim 0+0=0. De forma análoga

0x3=0+0+0=0

0x4=0+0+0+0=0

e assim infinitamente.

Então zero multiplicado por qualquer outro número é zero. Mas e quando se multiplica um número por zero? A ideia de que a multiplicação é uma soma de parcelas não ocorre neste caso. Por exemplo, 2x0 é o número 2 somado “zero” vezes? Faz sentido somar “zero” vezes?

A multiplicação segue a “propriedade comutativa”. Assim como a soma, multiplicação não depende da ordem dos fatores. Por exemplo, 2x3=3x2=6, 3x5=5x3=15, etc.

Usando a propriedade comutativa da multiplicação é possível ver que o zero multiplicado por qualquer número também é zero. Por exemplo:

0x2=2x0=0

0x3=3x0=0

Então basta que o zero seja um dos fatores para que a multiplicação resulte em zero. Zero vezes zero também é zero

0x0=0

Se o zero em qualquer um dos fatores resulta em zero, então:

(-1)x0=0x(-1)=0

(-2)x0=0x(-2)=0

Zero no produto sempre resulta em zero. Na multiplicação o zero comporta-se como algo a partir do qual tudo é tragado. Os matemáticos chamam isso de “propriedade absorvente do zero”. “Um número vezes nada é nada”, dizem alguns. Se o zero é nada, o nada tem o grande poder de absorver tudo.

Zero na divisão

Dividir um número por outro implica em completar uma multiplicação. Por exemplo, 10 dividido por 2 é o número que multiplicado por 2 é 10. O número que multiplicado por 2 é 10 é o 5. Então 10/2=5 porque 5x2=10.

Usando outro exemplo 15/3 é o número que multiplicado por 3 é 15. Então 15/3=5 porque 5x3=15.

Quanto é zero dividido por algum número não nulo? Por exemplo, 0 dividido por 2 é o número que multiplicado por 2 é 0. O único número que multiplicado por 2 é 0 é o próprio 0. Então 0/2=0 porque 0x2=0.

Da mesma forma 0/1=0 porque 0x1=0. Enfim, zero dividido por qualquer número não nulo é zero porque zero multiplicado por qualquer número não nulo é o próprio zero. Por exemplo:

0/3=0 porque 0x3=0

0/(-1)=0 porque 0x(-1)=0

A divisão não é comutativa, ou seja, ela depende da ordem dos números envolvidos. Se zero dividido por um não nulo é zero, não significa que um número não nulo dividido por zero também seja zero. Quanto é um número não nulo dividido por zero?

Por exemplo, 1/0 é o número que multiplicado por 0 dá 1. Mas nenhum número multiplicado por 0 é 1. Todo número multiplicado por 0 é 0, nunca é 1. Assim 1/0 não existe porque não há número que multiplicado por 0 seja 1.

Repetindo o raciocínio, 2/0 também não existe porque não há número que multiplicado por 0 seja 2. Enfim, “todo número não nulo dividido por 0 não existe” porque não há número que multiplicado por 0 resulte em não nulo.

Zero dividido por um número não nulo é zero, mas um número não nulo dividido por zero não existe. Quanto vale 0/0?

O número 0/0 multiplicado por 0 é 0? Qualquer número multiplicado por zero é zero. Assim 0/0 é chamado de “indeterminação”. O problema de 0/0 não é porque o resultado não existe, mas sim porque há infinitos resultados possíveis. A divisão 0/0 pode ser 1 porque 0x1=1, pode ser 2 porque 0x2=0, etc.

Zero dividido por um número não nulo é zero. Se o zero é nada, então “nada dividido em várias partes é nada”. Mas quando um número não nulo é dividido por zero, o resultado não existe. Assim qualquer número não nulo dividido por zero é o próprio nada. As afirmações “um número não nulo dividido por zero é nada” e “algo dividido pelo nada é nada” tem sentido claramente diferente. Na segunda afirmação, se o nada é zero, “um número dividido por zero é zero”, o que é falso. Fica claro que zero não é nada.

O número 0/0 seria a própria antítese do nada, o tudo. Assim como o nada não é um número, o tudo também não é.

Zero na potenciação

Assim como a subtração e a divisão, a potenciação não é comutativa. Em outras palavras, trocando a ordem dos números o resultado pode mudar. Por exemplo:

2³=2x2x2=8

3²=3x3=9

O primeiro e o segundo números da operação de potenciação são chamados respectivamente de base e expoente. Por exemplo, na operação 2³, 2 é a base e 3 é o expoente. Já em 3², 3 é a base e 2 é o expoente.

Zero elevado a algum número não nulo é zero. Assim:

0¹=0

0²=0x0=0

0³=0x0x0=0

Como potenciação não é uma propriedade comutativa, não se pode concluir que um número diferente de zero elevado à zero é zero. Mas há uma propriedade na potenciação que pode fornecer a resposta.

Diminuindo em 1 o expoente, o resultado fica dividido pela base. Se o leitor não entendeu o que foi dito, observe o exemplo:

2⁴=16

A base é 2 e o expoente é 4. Diminuindo o expoente em 1, ele fica 4-1=3.

2³=16/2=8

O expoente diminui em 1 (de 4 para 3) e o resultado foi dividido por 2 (de 16 para 8). O processo pode ser repetido, diminuindo em 1 o expoente.

2²=8/2=4

2¹=4/2=2

A cada dimimuição do expoente o resultado é dividido por 2. Se o expoente diminuir mais uma unidade e o resultado for dividido por 2.

2⁰=2/2=1

A conta pode ser repetida para qualquer base. No exemplo abaixo a base é 3. O expoente continua diminuindo de 1 em 1 e o resultado vai sendo dividido por 3.

3⁴=81

3³=81/3=27

3²=27/3=9

3¹=9/3=3

então

3⁰=3/3=1

Assim como 2⁰=1, 3⁰=1. Para mostrar que um número não nulo elevado à 0 fica 1, a lista acima pode começar com o expoente 1. Por exemplo:

4¹=4
4⁰=4/4=1

5¹=5
5⁰=5/5=1

1¹=1
1⁰=1/1=1

(-1)¹=-1
(-1)⁰=(-1)/(-1)=1

O raciocínio pode ser repetido infinitamente. Um número não nulo elevado a 1 é ele mesmo. Assim um número não nulo elevado à zero é o número dividido por ele mesmo, ou seja, 1.

Zero elevado a qualquer número é 0. Um número elevado a zero é 1. Qual é o valor de 0⁰? Zero ou 1?

0¹=0

0⁰=0/0 indeterminação

Assim 0⁰ é uma indeterminação.

Zero elevado à um número não nulo é zero. “Nada elevado à alguma coisa é nada”, alguns podem pensar. Mas um número não nulo elevado à zero não é zero. Assim, se o zero é nada, é necessário admitir que “um número não nulo elevado à nada é 1”. Zero elevado à zero é uma indeterminação. Pensar no zero como nada conduz à conclusão que “nada elevado à nada é uma indeterminação”.

Abandonando o nada e partindo do zero

 Muitos estudantes aprenderam que o “zero é nada” e portanto “um número mais nada é ele mesmo”, “um número menos nada é ele mesmo”, “um número vezes nada é nada”, etc. Estes estudantes tem dificuldade de entender o papel do zero na subtração, na divisão e na potenciação. Zero parece nada, mas não é. Enquanto a concepção errada sobre o zero continuar, o estudante decorará algumas regras algébricas sem entende-las.

 A falha de todo o raciocínio sobre o zero é a tentativa de defini-lo em si mesmo. Quando zero é definido como “elemento neutro da soma”, ele não está sendo entendido em si mesmo, mas em sua relação com os outros números. “Elemento neutro da soma” é o número que na soma com os “outros números” não altera nada.

O zero é muito mais complexo do que parece. Quem pensou que ia encontrar o nada no zero se enganou. Zero pode ser o ponto de partida da própria matemática moderna.

*Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos é físico, professor da UNIFESP em Diadema/SP, editor do blog Pion da Sociedade Brasileira de Física - SBF e do blog Quente e Calculista.

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