domingo, 30 de setembro de 2012

Vai faltar pigmento verde no mercado

Por Kátia Gomes Matos* 
De BH

Pouco a dizer sobre a devastação ambiental. A prática já extrapola a teoria. Por constituir um câncer no subsolo, na superfície e na atmosfera do planeta estamos contribuindo para que nada seja deixado às próximas gerações: luz, sombra, água, ar, condições de produzir comida e vestuário. Paradoxal privação irrestrita. Graças a nós que consumimos todos os produtos que o capitalismo nos enfia goela abaixo e alienadamente os deglutimos.

Não necessitamos de vinte pares de sapatos, noventa peças de roupa, dois carros, nem de trocar compulsivamente eletrodomésticos, eletrônicos e móveis por novos. Mas o fazemos. Vamos construindo dia após dia a sociedade do supérfluo. Nos espetaculares eventos em que se discutem as questões ambientais, por acaso damos pela falta de discursos que preguem cautela em relação ao consumo? A quem interessaria isso? Contrariamente, como principal medida de salvação da economia, o surto mundial anticrise tem incentivado a rodo os cidadãos a irem às compras.

Como continuar consumindo e evitar privação para as próximas gerações? Simples. Basta que a geração de jovens adultos (ou nem tanto) opte por não se reproduzir. Em aproximadamente cem anos, teremos o planeta desprovido do sustento necessário à vida, mas, concomitantemente, não teremos vida para demandar esse sustento.

Qual segmento do sistema produtivo manifesta vergonha ou remorso quando oculta seu desenvolvimento (in) sustentável sob uma logomarca de cor verde? Quando ordena imprimir em seus folders verdes, as nada profícuas reflorestas? Os rios cristalinos criados em photoshop. E as mostras de trabalhos sociais como forma de sanear os estragos ambientais que provocam? Ora, o trabalho social coaduna com depredação ambiental? Ou a compensa? Servirão essas migalhas que as poderosas empresas privadas ou estatais atiram aos excluídos para minimizar as diferenças sociais e econômicas?

Basta abrir uma revista, jornal, acessar a internet, assistir TV, observar alguns outdoors e conferir: empresas dos mais variados ramos passaram a adotar logomarcas (ou logomáscaras?) verdes para se apresentarem limpas ao mundo. A cor verde não mais se traduz em esperança. Esperança? De que o verde natural possa ser substituído, sem nenhum prejuízo, pelo verde artificial, enganador? E os bancos? Agora, até as instituições bancárias resolveram se tornar verdes. Bancos verdes? Quanto esforço para que possamos manter em paz a consciência durante o tempo em que compramos umas coisinhas a mais!

E alguns tipos de reciclagem? Mais embuste. O papel reciclado minimiza a derrubada de árvores, mas requer maior gasto de água e de química para remover a tinta antiga. E a reindustrialização, a logística, a emissão de gases tóxicos? Nenhuma economia ecológica ou energética. Nesse processo, só pode ser considerada pura a parte que cabe aos catadores. Esses despendem somente a energia do corpo para movimentar seus carrinhos toscos morro acima, morro abaixo, ocupando o lugar de um animal inferior. Ainda, indústrias especializadas adicionam ao papel branco novo um tipo de pigmentação que lhe empresta a aparência de papel reciclado. Sobreindustrialização. As empresas que o utilizam – e pagam mais caro por ele - o fazem em nome de uma boa imagem. É o vale tudo na corrida para conquistar o consumidor, os certificados ISO e AQUILO, as benesses dos órgãos (ir)responsáveis pelas ações ambientais.

Diante da demanda de pigmento verde, como devem se sentir os criadores de logomarcas, identificação visual, arte final, projetos gráficos? Fartos. Quando o telefone toca ou abrem o e-mail, já sabem: ou é o cliente velho querendo saber se o novo layout verde está pronto, ou é um cliente novo atrás da criação de um layout verde. “Meu Deus! Devem pensar. "O quanto estudei de tantas cores! O que será do amarelo se todos gostam do verde?” A partir daí, a discussão gira em torno da cartela de tons. Os preferidos são o verde-bandeira, floresta e grama. Identificação com matas e matagais.

Sentem-se enjoados. Mas, em parte, folgados. O boom esverdeado gera grande economia de idéias. E o pigmento verde permanece ao alcance. É só esticar o braço e pegar. Os outros envelhecem nas prateleiras. Há pouco o que criar. E amanhã? Vão se engalfinhar. Meio quilo de pigmento verde será disputado a tapas. Descabelados, dirigir-se-ão aos clientes enfileirados para gritar: “Não tem pigmento verde no mercado!"

Sobre quem irá recair a culpa pela falta de pigmento verde no mercado? Acredite, o pessoal de serviços gráficos e de pintura está de olho em você, consumidor!

*Kátia Gomes de Matos é Psicóloga e Administradora Empresarial.

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