segunda-feira, 28 de maio de 2012

Transmercúrio


Renato de Andrade na Antártica: dois tipos de solo.
Arquivo Renato de Andrade
Por Ana Rita Araújo
Via Boletim da UFMG

Durante 40 dias, em temperaturas de até 20 graus negativos, o químico Renato Pereira de Andrade coletou amostras de água e de solos da Península Fildes, na Antártica marítima, um dos locais de maior concentração de ninhos de pinguins da Terra. Analisadas em seu trabalho de doutorado, sob a orientação da professora Cláudia Windmöller, do Departamento de Química do Icex, as amostras confirmaram a importância das aves – em especial os pinguins – no ciclo de transporte de mercúrio no planeta já que, mesmo sem fontes mineralógicas naturais, a região possui teores relativamente elevados desse metal.

Segundo a orientadora, abordagens de química ambiental assumem cada vez maior importância, sobretudo em trabalhos como o de Renato Andrade, que focaliza um metal tóxico e poluente e que pode ser transportado em longas distâncias. “Existe sempre o interesse de entender a geoquímica do mercúrio em qualquer ponto do globo. O que acontece na Antártica pode influenciar o que vemos aqui, e vice-versa”, reitera a professora Cláudia, ao lembrar que tal interação se intensifica com o degelo proveniente do aquecimento global e com a perspectiva de habitação dos polos. “Em questões ambientais, tudo está relacionado”, resume.

A pesquisa também procurou fornecer elementos para medir a idade de formação dos solos antárticos ornitogênicos, que sofrem influência da presença de aves. Trata-se de escala que toma como base os tipos de minerais fosfatados predominantes – fosfatos de magnésio, de cálcio, de alumínio e de ferro – e seu teor de solubilidade, que, quanto mais alto, indica menor tempo de permanência no solo. Andrade, que é professor do Cefet-MG, comenta que não há, na UFMG, outra tese ou dissertação defendida sobre a Antártica.
Expedição

Renato Pereira de Andrade colheu amostras no verão de 2008, quando participou de expedição dirigida pelo professor Carlos Ernesto Schaefer, da Universidade Federal de Viçosa, coordenador de pesquisa sobre criossolos (solos típicos de regiões polares), que integra o Programa Antártico Brasileiro (Proantar). Andrade coletou água em dez lagos e 13 canais de degelo, além de 84 amostras de solos em 28 perfis de profundidade.

De acordo com o químico, a Antártica tem papel essencial nos sistemas naturais globais, influenciando o clima e as condições de vida na Terra. As pesquisas brasileiras no local se justificam também pela situação de país atlântico, sendo o sétimo mais próximo do continente austral, e pelas prováveis influências dos fenômenos naturais que lá ocorrem sobre o território nacional.

Com o objetivo de estudar o ciclo do mercúrio, a pesquisa de Renato Andrade comparou dois tipos de solos da região – os não ornitogênicos e os que servem ou serviram como pinguineiras, locais onde a fêmea bota o ovo, que fica sob os cuidados do macho enquanto ela sai à procura de alimento. “As aves permanecem bastante tempo nesses locais; lá elas se alimentam, defecam e algumas morrem”, comenta a orientadora.

O resultado dessa presença, como revelam as amostras, está nos teores de mercúrio: até 200 partes por bilhão, o que equivale a 200 microgramas por quilograma. Embora sejam valores baixos se comparados com os solos tropicais, são muito altos em se tratando de área dos polos, diz o pesquisador, que conclui haver grande influência das aves no transporte do metal. As concentrações mais altas estão presentes não no guano, produto que o pinguim defeca, mas principalmente na pena dessa ave e no pelo do leão marinho, que se decompõem e se misturam ao solo.

O trabalho confirma outras pesquisas que atribuem aos animais papel importante no transporte do mercúrio do mar para a parte terrestre da região. “No ambiente marítimo esse mercúrio está diluído em tudo – no sedimento de fundo, dissolvido na água, embora o mercúrio seja muito pouco solúvel, e nos pequenos animais”, diz a professora Cláudia Windmöller.

Segundo ela, o mercúrio é o único metal líquido em temperatura ambiente, o que lhe confere maior facilidade de se volatilizar e ser transportado a longas distâncias. Uma fonte de mercúrio gerada pelo homem na região dos trópicos pode, por exemplo, chegar à Antártica por via atmosférica. “Existem diversas pesquisas que tentam criar um modelo para explicar o modo como o mercúrio se transporta no globo”, relata. A ideia é avaliar se esse transporte pode apresentar risco em algum momento.

A professora destaca que as regiões polares têm características diferentes dos trópicos, como a maior quantidade de luz ultravioleta, por causa do buraco na camada de ozônio do planeta, e a química da atmosfera. Tal situação dos polos favorece que o mercúrio oxide, se transforme no chamado mercúrio 2, que é solúvel em água, e se precipite por via úmida, no caso, pela neve.

Tese: Geoquímica dos solos e das águas da península Fildes e
Ilha Ardley – Antártica marítima
Autor: Renato Pereira de Andrade
Defesa: 14 de fevereiro de 2012, junto ao Programa de
Pós-graduação em Química da UFMG
Orientadora: Cláudia Carvalhinho Windmöller

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