Por Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos*
A simples pergunta sobre a sexualidade entre os números parece não fazer o menor sentido. Número é uma abstração. Você pode ter 2 laranjas, dois bois, duas ideias, mas nunca o número dois em si mesmo. Isso vale para qualquer número. Já o sexo é algo bem concreto. Como associar sexo com os números? No séc. V a.C. o filósofo grego Pitágoras criou uma escola onde os números eram vistos como sagrados e dotados de características pessoais. A cada número era atribuído até mesmo um sexo. É o que veremos a seguir.
Comecemos pelo número 1. Ao contrário da classificação moderna, no pitagorismo o 1 não era um número. Os números representavam a multiplicidade e o 1 era a antítese disso. O 1 era a própria unidade. Assim o 1 não tinha sexo. Ele estava além de todas as coisas. O primeiro número era o 2.
Na nomenclatura moderna, os números naturais são divididos em dois conjuntos: os pares e os ímpares. Par é todo o número que é múltiplo de 2 e ímpar é o que não é par. Assim 6=2×3, portanto 6 é par. Já 7=2×3+1, portanto 7 é ímpar. A ideia por trás desta nomenclatura é que o número par é formado por pares, ou seja, por duplas de unidades. Assim 6 é formado por 3 pares. Já o prefixo “im” em ímpar quer dizer não. Então ímpar é literalmente um número que não é par.
Os pitagóricos classificavam os números em masculino e feminino de uma forma análoga aos ímpares e aos pares. Todo o número par era visto como duas metades com um vazio central. Assim 2=1+1, 4=2+2, 6=3+3, etc. O vazio central era associado à feminilidade. Assim, todos números pares eram femininos. Isso não significa que os pitagóricos depreciassem as mulheres. O vazio era visto como um complementar ao pleno e os pitagóricos enxergavam uma harmonia nos pares de opostos. Assim o masculino se complementa no feminino, o reto no curvo, o regular no irregular, etc.
Todos os números que não eram femininos eram considerados masculinos. Então todos os ímpares eram masculinos. O único ímpar que não era considerado masculino era o 1 porque ele não era nem mesmo um número. Os números masculinos eram divididos em duas metades e sobrava um regente central. Por exemplo, 3=1+1+1, 5=2+1+2, 7=3+1+3, etc. Este regente central, este preenchimento do vazio, era associado à masculinidade.
A soma de dois números era vista como uma união e o sexo do número resultante era predeterminado. Matematicamente, a soma de um ímpar com um par sempre resulta em um ímpar. Por exemplo, 5+6=11. Na interpretação pitagórica, o regente central do número masculino assumiria o controle do número total, gerando outro masculino. Já a soma de dois ímpares resulta em par. Por exemplo, 5+7=12. Os pitagóricos achavam que os regentes centrais de cada número masculino não se submetiam um ao outro e o resultado seria feminino. Finalmente a soma de dois pares resulta em par. Por exemplo, 4+6=10. Para os pitagóricos cada um dos números femininos não contribuía com nenhum regente central, resultando em um novo feminino.
Os pitagóricos tinham certa veneração pelo 1 em conjunto com os três primeiros números (2,3,4) e o chamavam de “Sagrada Tetrakytis”. O 1 era sagrado por ser o único real, a unidade que subsiste por trás de toda a multiplicidade. Já o 2 era o primeiro número e também o primeiro feminino. O 3 era o primeiro número masculino. O 4 era o segundo número feminino. Como o 2 era o primeiro número, portanto símbolo de toda a multiplicidade, 4 simbolizava a multiplicação da multiplicação, o dobro de dois (4=2X2). Ele era uma espécie de indicação de que a multiplicidade se estende ao infinito. Alguns estudiosos consideram que a Tetrakytis era um análogo do conceito judaico-cristão de Deus.
O 2 e o 3 formavam uma espécie de casal divino. Eram respectivamente os primeiros números feminino e masculino. Da união deles “nascia” o 5, o primeiro gerado por uma união do masculino com o feminino. O cinco era representado pela famosa figura conhecida como pentagrama. O pentagrama era o próprio símbolo da escola pitagórica.
É interessante notar como os pitagóricos relacionavam a soma das sequências dos números masculinos e femininos aos símbolos geométricos. A soma de uma sequência de ímpares sempre resulta em quadrados perfeitos. Por exemplo:
1=1×1
1+3=4=2×2
1+3+5=9=3×3
1+3+5+7=16=4×4
1+3+5+7+9=25=5×5
Para os pitagóricos a soma do 1 com os números masculinos só podia resultar em ordem e em regularidade. Eles associavam o quadrado à masculinidade. Já a soma de números pares sempre resultava no produto de um número com seu antecessor. Por exemplo:
2=2×1
2+4=6=3×2
2+4+6=12=4×3
2+4+6+8=20=5×4
Na visão pitagórica isso se devia ao fato de que a soma de números femininos não poderia produzir nenhuma regularidade. Eles associavam os retângulos (que não fossem quadrados) à feminilidade.
Agora a pergunta que dá título à este texto pode ser respondida. Existe sexualidade entre os números desde que se adote uma visão pitagórica do mundo. Mas a pergunta em si mesma tem pouco interesse. O objetivo deste texto despretensioso foi mostrar como tópicos de matemática podem ficar mais interessantes se mostrados sob uma forma humanizada e personalizada. Os pitagóricos faziam isso há 2500 anos atrás. Talvez você só tenha lido este texto até o final porque ficou curioso para saber qual a relação que existe entre sexualidade e os números.
*Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos é físico, professor da UNIFESP em Diadema/SP, editor do blog Pion da Sociedade Brasileira de Física - SBF e do blog Quente e Calculista.
Postagem original: Vox Scientiae, edição Setembro/Outubro de 2007 (http://abradic.com/voxscientiae/anteriores.html)
Nenhum comentário:
Postar um comentário