sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

#SOPA, #PIPA, TV digital brasileira e democracia

Por Débora Alcântara*
De Belo Horizonte


No rastro das discussões e formulações legisladoras dos direitos de uso, propriedade e liberdade, consolida-se um discurso velado de moralismos que esconde o verdadeiro intento por trás dos projetos de lei norte-americanos Stop Online Piracy Act - Sopa (Lei contra a Pirataria Online) e Protect Intellectual Property Act - Pipa (Lei para a Proteção de Propriedade Intelectual): a garantia da mercadorização e comércio da informação, do entretenimento e dos bens culturais e imateriais.


Apesar de o primeiro, após diversos protestos, ter sido retirado da pauta do Congresso dos EUA, não deixa de carregar sua responsabilidade: chegou a representar, de fato, os anseios de segmentos poderosos da indústria do entretenimento e fonográfica. Mas o poder protagonizado na internet contra tal projeto intimidou o seu proponente formal. A esse episódio, cabem algumas reflexões.

No Brasil, esse processo mercantilizador já liquidou as possibilidades de democratização da comunicação no recente sistema de difusão digital da TV brasileira, condenado a um modelo lucrativo para poucas redes de comunicação, verdadeiros oligopólios de famílias abastadas, que dominam as telecomunicações no país há décadas.

Para se ter uma ideia de como esse sistema poderia ser catalizador da democratização da comunicação, uma mesma freqüência de ondas, a qual no sistema de difusão analógico é capaz de transmitir apenas um canal, passa, com a tecnologia do sistema digital, a ter a chance de transmitir até quatro canais. Ou seja, uma mesma largura de banda, com o sistema digital, é otimizada para a transmissão de diversos canais em vez de um só.

Cada canal desse, por sua vez, poderia ser gerido por outros formuladores e distribuidores de informação, inclusive cooperativas ou grupos paritários, com a participação da sociedade civil e o devido controle social, sem necessariamente estar vinculado a fins lucrativos, mas educacionais, por exemplo. No entanto, estes canais continuam nas mãos das grandes corporações, reproduzindo a lógica da concentração do poder de difusão de informação, que carrega em si todo um modo de edição e exibição estratégico, ofertado à população com a mesma acuidade quando se escolhe a ração para o adestramento de animais. No caso dos oligopólios, trata-se do adestramento dos pontos-de-vista, das ideologias.

Por isso, o sistema de difusão digital brasileiro se resume hoje a uma mera mudança de padrão tecnológico. A chance que tínhamos de aproveitar a potencialidade desse sistema em termos de diversificação de formuladores e distribuidores de informação e interatividade foi derrubada pela inapetência dos sucessivos governos ou ainda pela conivência destes sob trocas de favores políticos e financeiros. Além disso, é preciso lembrar que os proprietários das grandes redes são ou estão ligados a figuras políticas, que se perpetuam no legislativo e executivo, assim como no judiciário. Portanto, nunca mostraram nem mostrarão interesse algum em transformar o sistema de TV digital em campo de participação social.

Se a sociedade não participa da produção de conteúdos, com a garantia da ampliação da diversidade de opiniões e ideologias nos sistemas comunicativos, não podemos falar em democratização da comunicação.

A grande questão é que, através da internet, meio em que o controle de uso se revela mais difícil, essa multiplicidade de fontes de informação teve esteio promissor, assim como a livre produção e expressão de conteúdos e ideias.

Quando caímos sob poder de governos autoritários, a primeira providência deles é minar a comunicação, a livre troca de ideias, e controlar os conteúdos difundidos por canais restritos. Foi sob essa condição que estavam os jovens que se levantaram na Primavera Árabe. Mas foi a internet o meio em que eles conseguiram se convocar e se organizar para exercerem a sua força contra o totalitarismo nas ruas.

Mesmo em países que experimentam o desenvolvimento da democracia, como o Brasil, a internet é um meio largo de propalação da vigilância democrática, portanto, arriscado para as forças internas reacionárias que temem o fortalecimento da democracia e a solidificação de um senso contra-hegemônico generalizado. Ora, as redes sociais, por exemplo, são potenciais esferas de discussão pública, onde a ação coletiva pode ser consensualizada e reverberada para além das telas. São um locus de circulação de bens culturais, de entretenimento e (por que não?) educacionais.

Mas a lógica inspiradora do Sopa e do Pipa toma essa feliz potencialidade como uma ameaça à mercantilização de todos esses entes, que estão na legislação dos países de regime democrático como direitos fundamentais, e propõe lançar mão da coerção legal e institucionalizada contra aqueles que recusam o adestramento do sistema de consumo.

Pensando sob o umbigo do povo brasileiro, se já nos usurparam o direito de participar da construção e distribuição de informações, além da interatividade no sistema de difusão digital televisiva, o que será de nossa comunicação, do nosso direito de escolher o que queremos ler, assistir, ouvir e escrever caso o uso da internet seja regulado sob interesses financeiros e políticos da mesma forma como o coronelismo eletrônico fez com a radiodifusão e os sistemas televisivos brasileiros?

Tomara que os efeitos do “blackout” protagonizado por diversos sites na última quarta-feira, 18, contra as investidas dos projetos de lei americanos chamem atenção dos poderes competentes brasileiros para tal assunto, de que o apoio a essas propostas incorre em conseqüências não muito simples: o aquecimento para a deflagração de uma guerra cibernética.

*Débora Alcântara é jornalista.

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