quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Medo segundo Mia Couto




Por Gisele Maia*
De Amsterdam



O Grito, de Edvard Munch - 1893
Hoje, garimpando no Facebook, me deparei com este vídeo de um discurso do Mia Couto, nas Conferências de Estoril 2011, sobre segurança. Nele, o escritor moçambicano fala sobre o medo como construção social que cria fantasmas e inimigos onde não existem, ergue muros que inviabilizam o diálogo entre diferentes e rende trilhões de dólares à indústria de armamento.

Para exterminar os tantos fantasmas que aprendemos a temer desde crianças, Mia Couto aponta um caminho: o exercício de nos abrirmos para o diferente e a disposição de conhecer o outro.

As palavras do escritor me tocam muito, pois tenho podido experimentar a verdade que elas carregam. Há 7 meses estou viajando pelo mundo e, nesse tempo longe da minha zona de conforto, precisei contar com a ajuda de muita gente. Além de jamais ter me sentido ameaçada, gentileza, compaixão e solidariedade nunca me faltaram.
‎”Os fantasmas da minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura e do meu território. O medo foi afinal o mestre que mais me fez desaprender. (…) No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeriu o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas”. – Mia Couto, para as Conferências de Estoril 2011.
Minha primeira viagem internacional foi aos 18 anos, para Israel. Na época, recebi muitas mensagens preocupadas. Mal sabiam os amigos que mesmo em Israel, naquele ano 2000, quando ainda havia esperança nas negociações entre israelenses e palestinos, antes da Nova Intifada, as pessoas eram menos agressivas que no Rio de Janeiro, onde também é comum desejar a morte do vizinho em nome da paz.

Recentemente estive na Caxemira e vivi sozinha, durante uma semana, em uma casa-barco. Numa região famosa pelos surtos de violência e onde predomina o islamismo, religião tão estigmatizada e que se tornou sinônimo de fundamentalismo, encontrei mais afetuosidade e disposição para o diálogo do que em muito redutos ditos cristãos.

Nunca tivemos tanto acesso à informação; ainda assim, os estereótipos imperam e os fantasmas vagam soltos por aí, nos roubando o sono e impedindo utopias. Atormentados, deixamos de sentir e de pensar criticamente. Assustados, erguemos barreiras em vez de construirmos juntos um mundo mais justo. Cegos, estigmatizamos sociedades inteiras por conta dos erros cometidos por determinados grupos e nas restritas esferas de poder.

Claro, são poucos os que lucram com a manutenção do medo e tal percepção deveria nos revestir de coragem para dizer não a esse estado de coisas. Comecemos, pois, aprendendo a olhar nos olhos em vez de nos contentarmos em ver o mundo através de telas e janelas.

*Gisele Maia é jornalista e está viajando pelo mundo. Para compartilhar suas experiências ela mantém o blog Digerindo.

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