domingo, 13 de março de 2011

Futebolizando a ciência

Por Vanderlei Salvador Bagnato*
Publicado originalmente na Revista Pesquisa Fapesp


Recentemente, por ocasião das comemorações dos 75 anos da Universidade de São Paulo (USP), tivemos a brilhante palestra do professor William D. Phillips, Prêmio Nobel de Física de 1997 pelo desenvolvimento de métodos para resfriar e armazenar átomos com o laser. Foi um verdadeiro show de física e de entusiasmo. O professor Phillips demonstrou o grande momento que vivemos e as razões que deveriam estar motivando os jovens a se envolverem com ciências nos dias atuais.

Após a palestra, um jovem na audiência levantou e perguntou ao professor Phillips: “O que temos que fazer para ter um brasileiro Prêmio Nobel em ciências?”. Educadamente, o professor Phillips respondeu que o Nobel não devia ser motivo para investir em ciências, o prêmio era uma consequência que normalmente resultava do investimento prioritário feito por uma sociedade para ter uma cultura científica em todos os seus aspectos.

Claro que o professor Phillips não quis dizer que alguém está excluído da possibilidade de ganhar esse notável reconhecimento. Porém transmitiu a clara mensagem de que a ciência deve fazer parte da cultura de um povo. Nessa situação não só a honraria de um Nobel, mas muitos outros benefícios trazidos pela ciência passam a ser algo natural.  Após a resposta, um dos professores eméritos da USP (Sérgio Mascarenhas), presente na plateia, levantou  e disse o seguinte: “Somos bons em muitas coisas, como samba e futebol, e a razão disso é que nossos jovens estão expostos a essas atividades de forma constante e em todos os lugares. Isso não ocorre com a atividade científica. São raros os jovens que têm, durante sua formação básica, oportunidade de vivenciarem a maravilhosa experiência de um laboratório de ciência”.

De fato, temos – ou ao menos tínhamos até pouco tempo atrás – um campo de futebol em cada esquina do país e nenhum lugar de ciência para a meninada. Imediatamente veio à  minha mente uma ideia: temos que futebolizar a ciência. Para isso teremos que nos preocupar em termos bons técnicos (professores), bons times e principalmente campos para a prática constante da ciência (laboratórios) em cada esquina. Essa é certamente a forma de tornarmos a ciência mais próxima de ser uma paixão nacional entre os jovens.

Lançar uma campanha para futebolizar a ciência é uma ideia atraente, mas não de  fácil execução. Futebol está na televisão todos os dias da semana; ciência quase nunca. Craques de futebol são ídolos nacionais; cientistas, quase ninguém conhece. Aliás, fiquei surpreso em verificar com meus próprios olhos que um jovem, a ponto de prestar vestibular, não conhecia Vital Brazil. “Quem foi esse homem? Foi algum político famoso?”, me perguntou o jovem. Quando nasce um menino no Brasil, o pai já compra uma bola e diz que o filho vai ser um craque. A criança vai para uma escolinha de futebol, procurando socialização, mas principalmente despertar um talento. Com as meninas, que são encaminhadas para outros tipos de escolinha, ocorre algo semelhante. O que aconteceria se houvesse escolinhas de ciência? Quantos pais contratariam cientistas para educar seus filhos? Quantos pais, ao verem seu filho nascer, iriam dizer aos amigos: ”Vamos fumar um charuto para comemorar o nascimento de um grande cientista?”. Cena rara, eu acho.

Atividade de divulgação de ciência em shopping: constância da educação
desperta grandes talentos científicos. Créditos: CEPOF

Apesar das dificuldades, temos que ir adiante. Futebolizar a ciência pode ser feito, e nem custaria tanto assim. Acreditem. Não temos que criar um Maracanã da ciência em cada escola. Basta uma atividade consciente que vá ganhando adeptos no público jovem. É a constância da educação que desperta grandes talentos científicos. Absurdo é retirar as carreiras de formação científica do ensino médio. Mostra o despreparo de quem organiza nossa educação. Tempos atrás tínhamos nas escolas os clubes de ciência. Parece que desapareceram e deram lugar aos fã-clubes de jogadores e cantores.

Dentro dos programas dos Centros de Pesquisa, Inovação e difusão (Cepids) apoiados pela FAPESP, temos tentado “futebolizar a ciência”, criando atividades científicas mais constantes nas escolas. Nosso canal de TV em São Carlos (interior de São Paulo) apresenta 14 horas diárias de ciências e agora estamos criando um Museu Itinerante e Virtual da Ciência. Motivado pelo programa FAPESP/Vitae, concebemos  um projeto para criar um museu que chegue a todos, ao contrário de trazer todos ao museu. Esse museu visitará as escolas e poderá ser visitado também através da internet. A ideia é fazermos o museu de ciência estar em todas as escolas, como o campo de futebol que lá já existe há muito tempo. Também temos um laboratório itinerante que deverá possibilitar a todos bater alguns pênaltis ou escanteios científicos.  Mas essas iniciativas são ínfimas, esporádicas.  É preciso que tenhamos partidas diárias, campeonatos e copas da ciência.

Recentemente estive na cerimônia de entrega dos prêmios da Olimpíada Brasileira de Física. Que beleza ver todos aqueles alunos e o entusiasmo de seus pais. Um dos pais se aproximou de mim e disse: “Professor, obrigado por ter nos prestigiado. Acho que meu filho vai ser um craque da física. Não é assim que se começa?”. Cerimônia linda, de entusiasmar quem lá estava.  Apesar disso, nenhuma autoridade se fez presente. Será que não tinha valor? Nem o presidente da Sociedade Brasileira de Física que organizava o evento lá estava.

Certamente, os craques da ciência estão aí em todos os cantos, da mesma forma que os craques de futebol aparecem todos os dias. Enquanto os craques do futebol irão satisfazer nosso lazer, os craques da ciência irão transformar nossa nação. Ensinar ciências a todos não é apenas para criar cientistas. É para produzir cidadãos instruídos, que possam entender o mundo ao seu redor e principalmente dar valor a coisas que de fato têm valor. Não há dúvida de que, levando conhecimento científico a todos, mesmo que de uma forma modesta, a cara da nação irá mudar. Quem sabe se futebolizando a ciência não teremos álbuns de figurinhas de nossos eminentes cientistas. Em vez do  momento do esporte na TV, teremos o momento científico. Quem sabe todos saberão quem foi Vital Brazil.  Afinal, uma nação que tem Cesar Lattes como técnico, Oswaldo Cruz como centroavante, Carlos Chagas como goleiro e Santos Dumont como zagueiro, merece vencer a copa da ciência.

Meu agradecimento especial aos cientistas brasileiros Sérgio Mascarenhas, Milton Ferreira de Souza, Moyses Nussenzveig e Mayana Zatz, com quem tenho convivido e de quem tenho recebido grande apoio para adicionar a luneta, o microscópio e o amor pelo conhecimento científico à bola de futebol.


*Vanderlei Salvador Bagnato é físico, engenheiro, professor da USP e membro titular da Academia Brasileira de Ciências.

2 comentários:

André disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André disse...

Concordo totalmente, creio que estas ações "futebolizar" a ciência ajudariam muito esta nação. E certamente assim como nos campinhos aparecem aqueles craques fenomenais, tenho plena convicção que temos muitos craques da ciência apenas precisando de um campinho para mostrar se jogo

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