segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ESPECIAL JAYME TIOMNO: Jayme Tiomno e o silêncio da mídia

Por Antônio Arapiraca*
De Reims/França

Na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011 o Brasil perdeu um dos mais importantes cientistas do mundo. O físico teórico Jayme Tiomno morreu, aos 90 anos, no Rio de Janeiro e mais uma vez não vimos sequer uma linha escrita sobre o fato nos grandes veículos de comunicação do país. Concordo que a contratação de um grande craque do futebol para um dos maiores times brasileiros possa ser a primeira página, afinal o futebol é uma paixão nacional. Uma tragédia como a da região serrana fluminense deve ocupar também as chamadas principais.

Porém, nem uma nota de rodapé noticiando a perda de um cientista da envergadura de Jayme Tiomno. Isso chega a ser uma indelicadeza, uma falta de respeito com a memória nacional.

O professor Tiomno foi um dos precursores no desenvolvimento da física no país e, juntamente com César Lattes, José Leite Lopes, Marcelo Damy, Mário Schemberg entre outros, ajudou na formação de uma sólida estrutura de pesquisa. Ele também participou da fundação de instituições como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) no Rio de Janeiro. Pouco é divulgado, mas o Brasil conta com uma das mais sólidas escolas em física de partículas do mundo e grandes avanços na área foram protagonizados por pesquisadores brasileiros como Jayme Tiomno. O prestigiado físico norte-americano John Archibald Wheeler declarou certa vez, em 1998, sobre Tiomno: “Eu sempre penso que Tiomno foi um físico pouco reconhecido. Seu trabalho de 1947-1949 sobre captura e decaimento de muons foi pioneiro e mereceria o devido reconhecimento via premiação adequada”[1] .

Estaria Wheeler se referindo à Real Academia de Ciências da Suécia? Sim, em carta escrita  ao físico sueco Stig Gunnar Lundqvist, em 6 de fevereiro de 1987, Wheeler recomenda a inclusão de Tiomno na concessão da honraria daquele ano (o Prêmio Nobel de Física). O episódio está relatado em mais detalhes em artigo da Revista Brasileira de Ensino de Física publicado em 2003 pelos físicos José Maria Filardo Bassalo e Olival Freire Júnior, professores das Universidade Federal do Pará e da Universidade Federal da Bahia respectivamente. Neste artigo entitulado “Wheeler, Tiomno e a Física brasileira” os autores passam em revista as relações entre o físico brasileiro e o físico norte-americano, seus trabalhos em parceria e como o regime militar afetou o desenvolvimento desta ciência no país.

O reconhecimento de Wheeler não foi suficiente para o comitê do Nobel, mas o impacto dos trabalhos de Tiomno é amplamente reconhecido na literatura especializada da área. Todos os dias no mundo inteiro suas formulações são utilizadas, mesmo que no nosso país pouco se saiba sobre este e tantos outros cientistas.

Para mim foi tão espantoso a ausência de qualquer comentário acerca do assunto na grande mídia, que me debrucei teimosamente sobre algumas editorias de ciência. Nenhuma citação sobre a morte do cientista. Em lugar de uma pauta como essa, estampava na chamada principal da editoria de ciência de um “grande” jornal do país: “Cientistas criam frangos que não desenvolvem gripe aviária”. Chega a ser patético tamanho amadorismo, contra-senso e sensacionalismo. Acredito eu que o leitor, de qualquer que seja o nível, entenderia que cientistas modificam e não “criam” frangos. Com esse exemplo, talvez até Aldous Huxley, no universo ficcional do seu brilhante Admirável Mundo Novo, com seus ovos bokanovskizados, acharia mise-en-scène, factóide e deselegante a atual cobertura de ciência e tecnologia da mídia nacional.

*Antônio Arapiraca é físico, professor do CEFET/MG e editor do fóton Blog

7 comentários:

Domingos Soares disse...

18 de janeiro de 2011

Realmente você tem razão Arapiraca. Não se viu nem se ouviu nada na grande imprensa a respeito da morte do grande cientista brasileiro Jayme Tiomno.

A SBPC, no entanto, registrou o fato em seu boletim eletrônico (http://www.jornaldaciencia.org.br/) em três notas:

12 de janeiro - Ministro Mercadante
13 de janeiro - nota sobre artigo de 12 de janeiro (Dia triste para a história da ciência)
publicado em Ciência Hoje Online
14 de janeiro - nota de pesar da diretoria da SBPC

É muito pouco pelo tanto que realizou Jayme Tiomno. Parabéns pela sua iniciativa.

Um abraço,

Domingos

nós duas disse...

Concordo plenamente com voce!
Triste nao haver sequer uma linha sobre isso na grande midia.
Pensando sobre o que voce escreveu no boletim da SBF, e como ajudar a melhorar um quadro tao pessimista de divulgacao da ciencia, eu acho que e' parte tambem da nossa obrigacao como cientistas alertar a midia sobre esses fatos (sou fisica tb, e ja o entrevistei uma vez para um livro: www.cbpf.br/Publicacoes/pdf/RazoesCientista.pdf), inclusive ajudando com informacoes sobre essas pessoas.
E' muito importante que o Brasil conheca o Brasil!
O que vc acha de escrevermos uma carta aberta pra os jornais contando este triste fato e a vida dele pra que o erro seja minimamente corrigido?
Eu to dentro!

Giselle Munhoz Alves disse...

Mais uma morte lamentável. Porém, a notícia saiu na edição do dia 13 de janeiro, página 13 - seção Cotidiano da Folha de São Paulo.

Ara disse...

Olá Giselle,

Obrigado pela informação, vou atrás deste registo jornalístico. Apesar disso acho pouco, além disto que vc citou encontrei uma notícia replicada no JB no mesmo dia, eles replicaram notícia da Agência Fapesp. Quando escrevi me referi aos grandes jornais e não a veículos como Ciência Hoje e Agência Fapesp, que como citou o professor Domingos Sávio publicaram notícias em cima do fato. Me referi aos grandes jornalões e nesse caso reconheço a imprecisão cometida e ratificada por vc no caso da Folha. Mas é essa mesma Folha que tem a notícia tão sensacionalista que citei.

Espero que além da imprecisão factual fique clara minha crítica ao contexto atual da divulgação científica no país. Obrigado pela ajuda.

Quanto ao comentário de "nós duas" estou disposto a escrever uma carta aberta sim, bem como fo fóton Blog está disponível a publicar artigos e opiniões da comunidade.

Att
Antõnio Arapiraca

Darlan disse...

Infelizmente a importância de uma pessoa não é medida pelo tamanho de suas realizações e sim por quanta atenção ela consegue chamar na mídia. Este fato será o responsável pelo esquecimento de cidadãos exemplares. Nossos modelos de conduta serão, para sempre, jogadores de futebol desregrados: Os hérois nacionais.

Anônimo disse...

Antonio Tadeu escreve (não disse)

Vc está de parabéns pela denúncia. concordo com sua crítica. No entanto como afirmado acima na Agência FAPESP, saiu a imformação sobre o falecimento do Prof.Tiomno e na Folha de São Paulo (que usou como referência a FAPESP). É de entristecer, mas a culpa é nossa. Quantos outros casos não foram semelhantes:Prof César Lattes,Prof. José Leite Lopes, Prof.Marcelo Damy e o Prof.Mário Schemberg (esse nem na época foi corretamente mencionado, devido as questões políticas - hoje em dia tem estudantes de Física que nem sabem quem ele foi). O êrro é nosso. Pergunto, e a SBF fez o que? Notificou quem? Essa é a entidade que representa a comunidade de físicos ou não? O Prof. Jayme Tiomno foi um dos fundadores. A culpa é nossa.
Vemos a SBF como uma entidade profissional de Físicos, mas como ela se "vê"? A SBF e seus "gerentes" deveriam ocupar a mídia e relatar o fato - jornalista gosta de notícia- Estão preocupados em fazer política não em defender politicamente os interesses dos associados que a mantém.
Eu lamento como Vc o ocorrido.

doutrinador disse...

Caro Antônio,

A notícia do falecimento do Prof. Tiomno também saiu no site do PC do B:
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=10&id_noticia=145353

O tamanho da repercussão só reflete o valor que damos não só aos grandes cientistas brasileiros, mas a todas as grandes figuras nacionais. Citando Cássio Leite Vieira da Ciência Hoje / RJ :
(http://cienciahoje.uol.com.br/blogues/bussola/dia-triste-para-a-historia-da-ciencia)

"Hoje é mais do que um dia triste. É triplamente triste, porque nos lembra que a grande tríade Tiomno-Leite-Lattes não está mais aqui. Especialmente triste, porque grande parte dos físicos brasileiros mal sabe quem foi e o que fez cada um dos nomes nos vértices desse triângulo.
A razão é que, em muitos casos, não estamos formando físicos, mas sim técnicos com PhD, cujo desconhecimento da história da própria área é tão grande quanto a vontade de se transformar em um grande cientista. Poucos, porém, chegarão lá."
Abraços.

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