Por Luiz Lopes*
De Divinópolis-MG
Numa noite solitária, conversando com um conhecido, de repente, ele se torna um amigo, me indica um filme, e a solidão vira, como dizia Nietzsche, uma solidão a dois. O filme indicado pelo amigo é Eu matei minha mãe, do cineasta canadense Xavier Dolan. Quando assisti ao filme desse cineasta, fiquei espantado com o grau de identificação que ocorreu entre mim e seu cinema.
Com poucas imagens e alguns diálogos eu já estava completamente perdido em seu universo. O filme narra a história do adolescente Hubert, vivido pelo próprio cineasta Dolan, e suas desavenças com sua mãe, além de seu namoro com outro adolescente e as descobertas do mundo que gira a seu redor. Assim, em termos de roteiro, o filme se centra na relação entre o filho e a mãe, a partir de uma câmera bem intimista, com movimentos de aproximação dos atores, uma iluminação fabulosa, além de grandes atuações, que têm como aspecto nevrálgico a performance do belo diretor.
O filme, o primeiro do diretor, foi selecionado para o Festival de Cannes. O que espanta no trabalho de Xavier Dolan é que o cineasta, agora com apenas 21 anos, já realizou dois filmes e prepara o terceiro, com grande habilidade estética. Mesmo tão jovem, o cineasta imprimiu uma marca bem autoral em seu trabalho, revelando que, ainda que seu longa não seja uma obra-prima, ele possui um projeto claro para seu cinema. As referências de imagens foi outro elemento que me chamou bastante atenção no filme, como o intertexto com o quadro de Klimt Mãe e filho, que logicamente faz uma autorreferência ao drama do filme e a imagem de James Dean, evidenciando o lado meio rebelde sem causa que paira sobre o adolescente Hubert. A estreita relação de amor e ódio entre Hubert e sua mãe vai sendo mostrada por matizes cada vez mais sofisticados, culminado nas imagens finais do filme, bem como na sequência em que ele corre atrás dela vestida de noiva, quando esta abandona o filho. Nenhuma personagem tem razão ou é culpada, elas são mostradas em suas contradições.
Além desses elementos da linguagem, vale citar que a trilha sonora do filme é outro trunfo do diretor que também explorou bastante música e imagens em movimento lento em seu outro trabalho Os amores imaginários, sobre o qual pretendo falar em breve. Se as questões de linguagem cinematográfica me deixaram animados com o filme, a temática do homoerotismo, que também aparece de maneira suave, deixou um sabor de quero mais. O filme foi considerado semi-auto-biográfico. Como gay assumido, Dolanteria colocado um pouco da sua experiência na constituição do personagem Hubert que ele mesmo interpreta. A cena de sexo ao som de Vive la fête é uma das coisas mais bonitas que já vi em termos de transa gay no cinema. Talvez minha empolgação toda com a cena se deva ao fato de que Dolan é de uma beleza incrível, o que confere à cena uma perfeição que fica além/aquém da linguagem estética. O filme com suas imagens faz pensar em linhagens tão distintas como as dos cineastas Almodóvar, Truffaut e nas do cinema francês contemporâneo.
Em menos de duas horas, enquanto durou a projeção de Eu matei minha mãe, me tornei um fã incondicional do cinema de Xavier Dolan. Acredito que o cineasta vai inaugurar novas formas de percepção em seus próximos trabalhos e ele é uma bela promessa de um cinema autoral que surge com bastante potência e beleza, no sentido amplo das palavras e das imagens.
*Luiz Lopes é professor de lingua portuguesa do CEFET/MG e edita o blog Caderno de Caligrafia.
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