Publicado no site do autor 21 de novembro de 2007
Semanalmente republicaremos no fóton a Série o Reino das Galáxias.
Você se lembra de sua primeira galáxia? Quero dizer, da primeira galáxia que você observou nos céus, com a ajuda de um telescópio, de um binóculo, ou mesmo com a vista desarmada? É claro que esta pergunta só se aplica a quem já viu uma galáxia "ao vivo"!
Pois bem, quem não passou por esta extraordinária experiência não deve perder tempo. Encontre a sua primeira galáxia! Em Belo Horizonte você encontrará orientação para esta empreitada aqui ou, mesmo, no Observatório Astronômico Frei Rosário, da UFMG (http://www.observatorio.ufmg.br).
Eu me lembro bem de minha primeira galáxia, como veremos a seguir. Na verdade, a minha verdadeira "primeira galáxia" foi na realidade a terceira galáxia que vi! Como pode ser isto? Em um dos meus blocos de anotações antigos, encontrei o seguinte: "30/06-01/07/81 - Primeira galáxia que eu vi no telescópio foi M 96, espiral. Vi ainda a nebulosa do Anel em Lira, Andrômeda, NGC 253 (que é enorme, um "charuto") e o espetacular aglomerado de Tucano".
Quer dizer, rigorosamente, a minha primeira galáxia, de fato, foi M 96, a segunda foi a grande galáxia em Andrômeda, e a terceira --- aquela que mais me impressionou --- foi NGC 253. Depois de tantos anos, não retive qualquer lembrança das visões de M 96 ou da grande nebulosa de Andrômeda. Mas conservo até hoje de forma nítida em minhas lembranças o fantástico quadro formado pela galáxia NGC 253 contra o céu escuro da Serra da Piedade. Pois foi lá, no Observatório Frei Rosário, onde passei por todas estas experiências.
Antes de continuar o relato de minhas aventuras astronômicas do passado, convém esclarecer alguns detalhes sobre a nomenclatura de galáxias. As galáxias são catalogadas pelos astrônomos e recebem números de ordem, característicos de cada catálogo específico. As galáxias mais próximas, e, por conseguinte, as mais brilhantes, estão presentes nos dois mais conhecidos catálogos astronômicos. O chamado "catálogo Messier" compilado pelo astrônomo francês Charles Messier (1730-1817), renomado "caçador" de cometas de sua época. Ele registrou a posição de mais de uma centena de objetos extensos e difusos, os quais poderiam ser confundidos com cometas. Muitos destes objetos --- hoje sabemos --- são na realidade galáxias, outros são nebulosas gasosas ou aglomerados de estrelas de nossa própria Via Láctea. Os objetos no catálogo Messier são designados pela letra "M" seguida do número de entrada do objeto no catálogo.
O outro catálogo foi organizado, mais tarde, pelo astrônomo dinamarquês John L.E. Dreyer (1852-1926). O catálogo intitula-se "The New General Catalog of Nebulae and Clusters of Stars", ou, "O Novo Catálogo Geral de Nebulosas e Aglomerados de Estrelas". Ele é abreviado pelas letras "NGC" e contém cerca de 8.000 objetos. Como no catálogo Messier, muitas das nebulosas são, de fato galáxias. É bom lembrar que tanto as nebulosas gasosas de nossa galáxia quanto as galáxias apresentam-se visualmente, ou ao telescópio, como objetos extensos e difusos. Um objeto do catálogo é identificado pelo seu número de ordem, colocado após a sigla NGC. Todas as galáxias que aparecem no catálogo Messier possuem também um número NGC.
Uma curiosidade interessante em relação ao catálogo Messier são as "Maratonas Messier". Nestas maratonas, os observadores --- em geral entusiasmados astrônomos amadores --- tentam observar numa mesma noite o maior número de objetos Messier!
Voltemos agora à "Minha Primeira Galáxia". M 96 é NGC 3368 e é uma galáxia espiral do tipo Sa. A grande galáxia da constelação de Andrômeda é M 31 ou NGC 224. É uma galáxia espiral do tipo Sb. A propósito, M 31 é o objeto mais distante de todo o cosmos, a 2 milhões de anos-luz de nós, visível a olho nu! Para isto é necessário uma noite bastante "limpa" e escura e, sobretudo, bons olhos! NGC 253 é também uma galáxia espiral, do tipo morfológico Sc. Ela está situada na região celeste da constelação do Escultor, com uma ótima localização relativamente aos céus do hemisfério Sul.
É de NGC 253 que guardo a mais vívida lembrança, passados já mais de 25 anos. A impressão que tive, isto é, a forma do "charuto" , deve-se ao fato de que o disco galáctico de NGC 253 está muito inclinado em relação à linha de visada, ou seja, à direção em que a observamos aqui da Terra. Assim, o disco parece ser uma superfície elíptica --- o "charuto", grosso no meio e pontudo nas extremidades --- projetada no plano do céu. Quando do meu primeiro avistamento de NGC 253, observando pela lente ocular do telescópio principal do Observatório da UFMG, não pude discernir os braços espirais. Mas em fotografias, sejam digitais ou de emulsões, eles são facilmente visíveis.
O que me emocionou de forma bastante profunda na visão de NGC 253 --- a minha primeira galáxia --- foi imaginar que via ali, agrupados numa pequena área do céu, bilhões e bilhões de estrelas, muitas delas semelhantes ao nosso Sol! A sensação inevitável de nossa imensa pequenez frente ao magnífico Cosmos nunca me saiu da lembrança. E muito menos a imagem "silenciosa" e fracamente brilhante de NGC 253! Suspeito que esta visão tenha modificado bastante o meu inteiro ser! Talvez até ao ponto de tomar emprestadas algumas palavras de nosso Poeta, para dizer: "No meio do caminho tinha uma galáxia. Tinha uma galáxia no meio do caminho. Nunca --- mas nunca mesmo --- me esquecerei deste acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas".
*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo e professor do departamento de física da UFMG.
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