Publicado no site do autor
14 de fevereiro de 2008
Semanalmente republicaremos no fóton a Série o Reino das Galáxias.
Desde os tempos de Galileu Galilei (1564-1642), que, em 1609, apontou pela primeira vez uma luneta para o céu, os astrônomos têm sonhado em ver mais e mais distante e com maior nitidez. Após os grandes desenvolvimentos de telescópios em terra, a evolução natural seria levá-los para fora da atmosfera terrestre. A atmosfera terrestre causa dois efeitos principais sobre a luz -- a radiação eletromagnética -- que nos atinge vindo das profundezas do cosmos: ela distorce e bloqueia parte desta radiação.
A distorçao atmosférica faz, por exemplo, com que as estrelas "pisquem" quando as olhamos no céu. Para objetos extensos, como nuvens gasosas e galáxias, a distorção diminui a nitidez das imagens. O outro efeito é que a atmosfera bloqueia parte da radiação que vem dos objetos celestes. Este bloqueio é seletivo, isto é, ocorre de forma diferente para cada faixa de comprimento de onda. A luz visível atravessa eficazmente a atmosfera, mas isto ocorre apenas para parte da radiaçao infravermelha e da faixa de ondas de rádio. E, felizmente para os seres vivos que habitam o planeta Terra, ela bloqueia grande parte da radiação ultravioleta, raios gama e raios X provenientes do espaço.
Novas tecnologias foram desenvolvidas para corrigir a distorção atmosférica, e elas têm sido utilizadas nos telescópios modernos localizados na superfície.
A melhor soluçào no entanto para se evitar o bloqueio e as distorções atmosféricas, é colocar um telescópio fora da atmosfera terrestre, um telescópio espacial!
Isto tem sido feito de forma bastante eficiente nas últimas décadas. Existem inúmeros telescópios espaciais dedicados a observar a radiação ultravioleta, os raios gama e os raios X emitidos pelos objetos cósmicos -- estrelas, galáxias, etc.
E também para captar a luz visível, e neste caso com o principal objetivo de se eliminar as nocivas distorções atmosféricas. Este é o caso do Telescópio Espacial Hubble (daqui por diante referido simplesmente como "HST", sigla para o seu nome em inglês, "Hubble Space Telescope").
O nome do telescópio é uma homenagem ao astrônomo norte-americano Edwin Powell Hubble (1889-1953), que na década de 1920 demonstrou inequívocamente a existência das galáxias, e inaugurou um novo ramo da Astronomia, a Astrofísica Extragaláctica.
O Telescópio Espacial Hubble foi colocado em órbita no dia 24 de abril de 1990 pelo ônibus espacial Discovery da NASA. Trata-se de um projeto científico conjunto das agências espaciais norte-americana (NASA) e européia (ESA), que arcaram com os custos totais de quase 2 bilhões de dólares.
O telescópio foi colocado numa órbita circular a 593 km acima da superfície terrestre, inclinada de 28,5 graus em relação ao equador. O HST completa uma revolução completa em torno da Terra a cada 97 minutos. A sua velocidade é de 8 km por segundo, ou 28.800 km/h.
Outros dados: a massa do conjunto, telescópio mais instrumentos, era de 11.110 kg quando foi colocado em órbita. O HST possui 15,9 m de comprimento e 4,2 m de diâmetro. O sistema é alimentado de energia elétrica por meio de dois painéis solares retangulares medindo cada um 2,4 por 12,1 metros.
Parte da energia elétrica gerada pelos painéis solares é utilizada para carregar seis baterias de níquel-hidrogênio, que fornecem energia à espaçonave durante os 25 minutos por órbita, em que o HST está na sombra da Terra.
O telescópio é do tipo refletor e seu espelho primário, responsável pela captação da luz, possui 2,4 metros de diâmetro, razão focal f/24.
A estabilidade da espaçonave é garantida por um sistema de giroscópios e a precisão do apontamento do telescópio deve-se a um sistema de sensores de guiagem. O sistema aponta para estrelas-guia, pré-selecionadas, e mantém automáticamente o apontamento do telescópio.
Um conjunto de quatro antenas na espaçonave trocam informação com a "Equipe de Operações de Vôo", localizada no Centro de Vôo Espacial Goddard, em Greenbelt, no estado norte-americano de Maryland. O HST possui dois computadores que se encarregam das tarefas científicas e de comunicação com a Terra. Os dados de relevância científica são passados do Centro Goddard para o Instituto de Ciência do Telescópio Espacial (sigla em inglês, STScI), localizado na cidade de Baltimore, no mesmo estado. Os dados são então repassados aos astrônomos.
Quando colocado em órbita, o HST estava equipado com cinco instrumentos. Eles são os seguintes.
1- "Advanced Camera for Surveys" (ACS), Câmera Avançada para Levantamentos. Ela detecta luz visível e objetiva a observação dos objetos mais distantes do universo, a busca por planetas de grande massa e os estudos da evolução de aglomerados de galáxias.
2- "Near-Infrared Camera and Multi-Object Spectrometer" (NICMOS), Câmera de Infravermelho Próximo e Espectrômetro Multi-Objeto. É o detector de "calor" do HST, isto é, de radiação infravermelha, a qual é percebida pelos seres humanos como calor. O HST pode com ele ver através da poeira interestelar, os locais onde há formação estelar, por exemplo. Pode ser utilizado também para observações profundas em distância no espaço.
3- "Space Telescope Imaging Spectrograph" (STIS), Espectrógrafo Imageador do Telescópio Espacial. Age como um prisma, separando a luz dos objetos cósmicos em suas cores constituintes. O resultado é um "espectro" do objeto observado, e traz informação sobre a sua temperatura, composição química, densidade e movimento.
4- "Wide Field and Planetary Camera" (WFPC), Câmera Planetária e de Campo Amplo, que foi substituida em 1993, pela WFPC2. Este é o instrumento responsável pelas mais famosas imagens do HST, no que diz respeito ao público em geral. Ele possui 48 filtros, que permitem a investigação científica dos objetos numa ampla faixa de comprimentos de onda (cores).
5- "Fine Guidance Sensors" (FGS), Sensores de Guiagem Fina. São dispositivos que utilizam estrelas guias para manter o telescópio apontado na direção correta. Eles podem ser usados também para medir a distância entre as estrelas e o seu movimento relativo.
Os astrônomos de todo o mundo precisam apresentar propostas de projetos observacionais para o HST, os quais são analisados por um comitê científico. Os projetos aprovados, segundo critérios de relevância científica e uso apropriado do telescópio, recebem o tempo de observação solicitado. A competição por tempo no HST é bastante grande. A cada ano, cerca de 1.000 propostas são recebidas, das quais cerca de 200 são selecionadas.
O HST está em operação e deve continuar assim até 2013 ou pouco antes. A espaçonave recebeu várias visitas de manutenção -- troca de baterias, consertos e substituições de instrumentos, manutenção dos sistemas de isolamento térmico, etc. A última missão de reparos -- a quarta -- está programada para 2008, e deverá estender a vida útil do telescópio por mais ou menos 5 anos. Estas missões são todas realizadas por astronautas que abordam a espaçonave a partir de um dos ônibus espaciais da NASA.
Provavelmente, a mais importante missão de reparos e manutenção foi a primeira, realizada em dezembro de 1993. Logo após o lançamento, as primeiras imagens astronômicas obtidas, apesar de muito boas quando comparadas com imagens semelhantes tomadas da superfície, apresentavam-se ligeiramente "borradas"! O espelho primário do telescópio, a despeito de todos os cuidados, apresentava um defeito óptico bastante conhecido: aberração esférica. A superfície do espelho não possuia a forma adequada fazendo com que a luz refletida da região central do espelho focalizasse num lugar diferente da luz refletida da região periférica. Isto causava uma imagem fora do foco perfeito, isto é, borrada. A solução do problema seria a colocação de "óculos" corretivos no telescópio. Os óculos desenvolvidos pela equipe técnica do HST, denominado COSTAR, sigla para "Corrective Optics Space Telescope Axial Replacement", é, portanto, um sistema óptico de correção para a focalização do telescópio. Este sistema foi instalado na primeira missão de reparos, que partiu num ônibus espacial lançado no dia 2 de dezembro de 1993. Os astronautas, durante os cinco dias da missão, removeram o "High Speed Photometer" e substituram-no pelo COSTAR. Além disso, trocaram a câmera de campo amplo, WFPC, por uma outra, a WFPC2. Estas medidas corrigiram com enorme sucesso os defeitos de focalização do espelho primário e as imagens tornaram-se perfeitas!
As realizaçoes científicas do HST são inúmeras e continuam a aparecer, à medida que novas observações são realizadas. Podem ser destacadas, de maneira geral, as seguintes: determinação precisa das distâncias até as galáxias, demonstração de que os quasares, na sua maioria, residem em galáxias, a prova de que as energéticas explosões de raios gama estão localizadas em galáxias e as observações de longa duração denominadas "Campos Profundos Hubble", que mostraram que o universo contém, pelo menos, 125 bilhões de galáxias. Vários outros estudos relacionados à astrofísica estelar, planetária e do sistema solar foram também realizados.
Até o início de 2008, mais de 6.000 artigos científicos, que relatam os resultados de pesquisas feitas com as observações do HST, foram publicados em revistas e jornais especializados.
Existem várias páginas eletrônicas dedicadas às inúmeras realizações científicas do HST. Tanto a NASA quanto a ESA possuem também páginas eletrônicas específicas para a divulgação para o público leigo e de caráter educacional. Um bom começo é acessar a página http://hubblesite.org e daí partir para outras viagens!
*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo e professor do departamento de física da UFMG.
*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo e professor do departamento de física da UFMG.
Um comentário:
nossa Ara.... como eu faço p ter acesso à esse telescópico?
Postar um comentário