De São João da Boa Vista/SP
Charlie Riedel (em Olho Mágico/UOL). Gota d'água funciona como lente (clique para ampliar) |
Lentes são "fatias" de um material transparente e homogêneo com duas faces não paralelas e envoltas por outro material também transparente e opticamente diferente, ou seja, com índices de refração de valores distintos(1). As lentes esféricas, aquelas que têm pelo menos uma das faces esféricas (a outra pode ser plana), são seis e podem ser agrupadas em duas famílias: as de bordas finas (também chamadas de lentes convexas) e as de bordas grossas (conhecidas também como lentes côncavas). A figura abaixo nos mostra os seis perfis diferentes e possíveis de lentes esféricas.
Slide de uma de minhas aulas multimídia de óptica geométrica
É bastante comum as lentes serem de vidro (ou resinas transparentes) e ficarem mergulhadas no ar. Neste caso, são lentes de material mais refringente(1) do que o meio externo. E, quando isso acontece, as lentes convexas (bordas finas) são convergentes, concentram a luz, enquanto que as lentes côncavas (bordas grossas) são divergentes, ou seja, espalham a luz(2).
Olhe bem para a foto no topo deste post e me responda: com qual das seis lentes acima ( e organizadas em duas famílias) a gota d'água mais se parece? Se respondeu biconvexa, acertou na mosca! A gota d'água tem uma região central quase esférica que se aproxima de uma lente biconvexa, só que um pouco mais "gordinha", ou seja, com espessura grande, como podemos verificar na figura abaixo.
A gota d'água tem a forma biconvexa com grande espessura
A gota d'água é, com boa aproximação, uma lente de bordas finas (mais grossa na região central e que vai afinando na medida em que nos aproximamos das bordas). E, como a água tem índice de refração (médio) próximo de nágua = 1,33 contra o ar que tem índice de refração menor, praticamente igual ao do vácuo (nar = nvácuo = 1,0), nossa lente de água é certamente convergente, ou seja, concentra a luz. A ilustração abaixo dá uma ideia (aproximada) de dois raios de luz que partem da flor (objeto) e, após atravessarem a gota d'água (lente), convergem para formar uma imagem nítida, real(3), invertida e reduzida da flor.
Esquema aproximado de raios que atravessam a gota e formam a imagem
Com eu já disse, a gota é uma lente biconvexa de espessura grande, situação física distante da ideal. Segundo Johann Carl Friedrich Gauss (1777-1855), matemático alemão e estudioso da Óptica, as lentes ideais devem ter, dentre outras coisas, espessura pequena. Em outras palavras, devem ser lentes fininhas. O esquema ideal correspondente à situação da gota d'água que forma a imagem da flor está ilustrado abaixo.
O mesmo esquema, agora idealizado, com uma lente "gaussiana"
Note que a imagem real(3) da flor é invertida. Na foto, como o fundo está propositalmente borrado pelo fotógrafo, não temos referência para sabermos que houve esta inversão. Mas certamente houve! Aliás, imagens reais são sempre invertidas em relação ao objeto.
:: Você também pode observar
Num dia de chuva, quando você estiver andando de carro, preferencialmente como carona, observe de perto cada uma das gotinhas d'água que ficam "grudadas" no vidro. Elas funcionam como pequenas lentes convergentes que formarão imagens reais, invertidas e reduzidas da paisagem de fundo que estará suficientemente afastada da lente (gotinha). Veja abaixo duas fotos que ilustram esta curiosa ideia e que você pode testar na prática.
telegraph.com.uk
Imagens invertidas de pessoa caminhando na calçada com guarda-chuva
art.com
Imagens invertidas de uma ponta vista através de gotas d'água
:: Um outro experimento legal para fazer em casa
Eu reproduzi a gota d'água da foto que inspirou este post colocando água numa jarra de suco de forma quase esférica. Na verdade, fabriquei uma "gotona" de água. Mas o efeito é o mesmo da gotinha: forma-se uma imagem real e invertida de objetos afastados da lente (jarra com água). Ao contrário do fotógrafo Charlie Riedel, deixei o fundo da foto bem nítido para percebermos a inversão da imagem em relação ao objeto. Confira o resultado abaixo onde as imagens estão distorcidas já que a minha lente tem grande espessura e, portanto, não é gaussiana.
Jarra com água: uma lente convergente
Note a imagem real, invertida e menor que o objeto
Toda imagem real(3) pode ser projetada porque é feita de luz de verdade. Note na foto abaixo, com vista superior da cena, que usei o encosto de uma cadeira coberto com um pano branco como tela (ou anteparo). Aparece no pano uma imagem real, invertida e reduzida da paisagem vista pela janela. Basta ajustar a distância correta entre a jarra e o anteparo, afastando ou aproximando a jarra da tela até que se obtenha a imagem mais nítida possível. Se você tiver uma jarra esférica parecida com essa em casa pode repetir este divertido experimento. Vale a pena!
Imagem real e invertida (note o céu para baixo) projetada no anteparo
Segurando a jarra e olhando através dela vemos as imagens reais, invertidas e menores que ela (lente convergente) conjuga por refração.
Ratificando: imagem real, invertida e menor do que o objeto
O mesmo efeito, noutra janela, com outra paisagem
Lentes convergentes também podem formar imagens reais ampliadas. É exatamente o que acontece nos projetores de slides, multimídia, de cinema, etc.. Lentes convergentes podem até formar imagens reais do mesmo tamanho do objeto. É o que ocorre nas máquinas fotocopiadoras quando cópia e original têm mesmo tamanho. Na verdade, há cinco casos diferentes de formação de imagens em lentes convergentes e um único caso em lentes divergentes. Ao todo são seis casos. Mas estes detalhes vão ficar para um outro post!
(1) Materiais mais refringentes possuem índice de refração absoluto maior. O índice de refração absoluto de um meio mede a dificuldade que um raio de luz tem para atravessar este meio. Quanto maior o índice de refração de um meio, mais lentamente a luz se propaga neste meio. Mas, em compensação, se a luz "breca" mais ao penetrar neste meio, também sofre um desvio maior ao entrar neste meio vindo de outro com índice de refração diferente.
(2) Cuidado! Lentes de bordas finas feitas de material mais refringente que o meio externo comportam-se como convergentes. Mas, se forem de material menos refringente que o meio externo, tornam-se divergentes. Ao contrário, lentes de bordas grossas feitas de material mais refringente que o meio externos são divergentes. Mas se invertermos a relação de índices de refração tal que estas lentes fiquem menos refringentes que o meio externo, então passam a funcionar como convergentes. Uma gota d'água tem o formato de lente biconvexa. Se for feita de água (nágua = 1,33 ) ou de vidro (nvidro = 1,56 ) imersa no ar (nar = 1,00 ) é mais refringente que o meio externo. Logo, é convergente.
(3) Imagens reais em óptica são aquelas obtidas por raios de luz de verdade que se cruzaram após interação com um sistema óptico. Ao contrário, as imagens virtuais são obtidas por prolongamentos de raios de luz. Logo, não têm luz de verdade. As imagens reais, por serem feitas de luz de verdade, podem ser projetadas num anteparo (como uma tela, por exemplo). Já as virtuais nunca podem ser projetadas.
* Dulcídio Braz Júnior é físico e professor.
fonte: Física na Veia
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