segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A catedral de Maringá e a missão Apolo

Por Domingos Sávio de Lima Soares*
De Belo Horizonte

De 25 a 27 de novembro próximos passados realizou-se na Universidade  Estadual de Maringá, PR, dois eventos simultâneos coordenados pelo  Prof. Marcos César Danhoni Neves, ex-Secretário Regional da SBPC,   reconhecido divulgador da ciência e autor de vários livros de ensino  e de divulgação da astronomia. Os eventos foram o I International  Meeting on Art-Science e o III Workshop Paranaense de Arte-Ciência.

Não tratarei aqui destes extraordinários eventos, que contaram com o  apoio da SBPC e do governo do Paraná, mas de algo que ocorreu durante  a minha estada em Maringá, por ocasião dos mesmos, e que, como veremos,  está com eles muito relacionado.

Recebi o honroso convite do Marcos para participar de uma das mesas  redondas com a apresentação de uma palestra intitulada "Uma nova visão  do universo", onde abordei os avanços da cosmologia moderna e suas  limitações atuais.

O primeiro personagem da estória aparece no caminho entre o aeroporto  e o hotel. Marcos chamou a minha atenção para a Catedral Basílica de  Maringá cuja construção de forma cônica é monumental e nos causa  admiração.
Imediatamente fiz o propósito de visitá-la, assim que  terminasse as obrigações que haviam me levado a Maringá.

Na visita, admirei o edifício e a minha primeira curiosidade foi a  respeito da altura da construção. Um funcionário da igreja me informa:  são 114 metros de construção mais 10 metros de uma cruz assentada sobre  o vértice do cone, totalizando 124 m! O diâmetro externo da construção,  na base, é de 50 m. 

Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Glória, Praça da Catedral, Av. Tiradentes, 500, Centro, a catedral  de Maringá, no Paraná. (Crédito: Domínio público)
Catedral de Maringá, em outra perspectiva. (Crédito: Domínio público)
Imediatamente veio à minha mente a missão Apolo, aquela que levou o  homem pela primeira vez a pisar em solo extraterreno. O foguete  Saturno V, propulsor dos módulos lunares, possuía exatamente 110,6 m,  incluindo os módulos, e um diâmetro de 10,1 m. Isto era bastante  interessante --- pensei ---, pois a catedral serviria de excelente ilustração  --- concreta --- da enorme magnitude do foguete necessário para colocar  três homens em órbita de nosso satélite natural. A forma da catedral ---  como um foguete --- e a sua altura, que quase coincidia com a do gigantesco foguete propulsor das Apolos, eram realmente bastante  convenientes para a discussão das enormes energias envolvidas  naquelas missões espaciais.

O foguete Saturno V em sua "praça" de lançamento.   
(Crédito: NASA)
Saturno V, em outra perspectiva. (Crédito: NASA)
Comentei o caso com o Marcos e ele disse algo que me pareceu  surpreendente: "--- Realmente, o projeto arquitetônico da catedral foi  inspirado na corrida espacial". 

Confesso --- e o faço com certo constrangimento ---, não acreditei.  Corri então ao "pai dos burros" moderno, a internet. E, obviamente, o  Marcos estava certo. O projeto arquitetônico era de 1958 e fora inspirado no  projeto espacial Sputnik da antiga União Soviética. A inspiração ocorrera   a partir da palavra "Poustinikki", que significa, apropriadamente, "peregrino  que se afasta do mundo para ficar mais perto de Deus". A partir dela,  uma simples troca de letras leva a  "Spoutinikki", ou, Sputnik! 

A pedra fundamental foi lançada em 15 de agosto de 1958, e a  construção prolongou-se de 1959 a 1972.

Podemos dizer que, quase profeticamente, as dimensões da construção 
prenunciavam as dimensões envolvidas na missão Apolo, que se concretizariam 
cerca de 10 anos após o projeto da catedral, realizado pelo arquiteto  José Augusto Belucci.

Vemos aí um excelente exemplo de diálogo salutar e instigante entre  religiosidade, ciência e tecnologia. Um projeto arquitetônico de  uma imponente catedral inspirado num, igualmente imponente, projeto  científico e tecnológico. E que extrapolando os limites de sua época e  inspiração --- os Sputniks --- antecipava a grandiosidade do  futuro --- as Apolos. 

*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo e professor do departamento de física da UFMG. 

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