segunda-feira, 27 de maio de 2013

Millenium: Um outro lado da Suécia?

Versão brasileira da Trilogia Millenium
Por Luisa Santos* 
De BH

Fato é: Nós brasileiros não conhecemos quase nada da Suécia. Sabemos, é claro, que é um dos países mais desenvolvidos do mundo, pacífico, com educação de alta qualidade e níveis de violência baixíssimos, população educada e clima frio. Afora isso, conhecemos poucos aspectos que compõem a cultura e o dia-a-dia sueco, de um modo geral – por consequência, não é de se espantar nosso desconhecimento sobre sua produção literária. Os mais velhos se lembrarão de Pippi Meialonga, da escritora Astrid Lindgren, que talvez seja a obra sueca mais familiar aos brasileiros.


Difícil imaginar, portanto, que de um país tão desenvolvido e pacato venha um dos maiores Best-sellers de romance policial do século XXI, recheado de corrupção, assassinatos a sangue-frio, racismo, xenofobia, problemas sociais, tráfico humano e de drogas, e além de tudo ambientado na Suécia moderna – mas para a surpresa do mundo inteiro, foi exatamente isso que aconteceu.


Rooney Mara e Daniel Craig como Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist na adaptação americana de David Fincher, 2011.

A trilogia Millenium foi lançada em 2005, pouco tempo após a morte do autor, o jornalista Stieg Larsson. Na Suécia, foi um sucesso instantâneo (Estatísticas mostram que um entre quatro suecos já leram ao menos um livro da trilogia), adaptada para o cinema em uma também trilogia, de produção sueca, e é um fenômeno de vendas até hoje. Ao redor do mundo, não foi muito diferente. Angariou fãs em diversas partes do planeta e o primeiro livro da série, Os Homens que Não Amavam as Mulheres – em inglês, The Girl with the Dragon Tattoo – também ganhou versão cinematográfica americana, dirigida por David Fincher.

A história nos apresenta Mikael Blomkvist, jornalista e editor da revista Millenium, cuja carreira acabou de sofrer um duro golpe - após publicar um artigo acusando o magnata sueco Hans-Erik Wenneström de corrupção, tráfico de armas e lavagem de dinheiro, é acusado de difamação e condenado a pagar uma multa que irá abocanhar a maior parte de suas finanças, além de 3 meses de prisão. Blomkvist tem certeza de sua inocência, e sabe que foi vítima de uma cuidadosa armação, mas a mídia sueca não compartilha deste sentimento. Desacreditado, Mikael se retira da produção da revista para tentar colocar sua vida em ordem.

No meio deste cenário de desolação, entretanto, o jornalista recebe uma proposta de Henrik Vanger, dono das empresas Vanger, uma das maiores e mais respeitadas empresas familiares da Suécia. Henrik quer que Mikael investigue o assassinato de Harriet Vanger, sua sobrinha, que aconteceu quarenta anos antes. Todos os anos, em seu aniversário, o empresário recebe uma flor seca emoldurada em seu aniversário, tradição iniciada por Harriet na infância e perpetuada por seu assassino, ao longo de quarenta anos. Em troca de uma soma indecente de dinheiro, suficiente para colocar suas finanças nos eixos, e um material comprometedor contra Hans-Erik Wenneström, Vanger convence Mikael a começar a investigação.

Paralelamente, somos apresentados a Lisbeth Salander. A jovem de 23 anos não tem quase nenhuma habilidade social, mas é dona de um Q.I altíssimo e memória fotográfica, alem de ser a melhor hacker da Suécia. Lisbeth é pequena, magra e se assemelharia a uma garota de 12 anos se não fosse o estilo agressivo de seus piercings, tatuagens, roupas e cabelos. Contratada por Vanger para fazer uma investigação preliminar sobre Blomkvist, ela é envolvida na investigação sobre Harriet quando Mikael descobre que o assassinato da jovem está ligado a uma série de assassinatos de cunho religioso ocorridos na Suécia entre as décadas de 40 e 60, e pede por sua ajuda. A partir daí, Lisbeth e Mikael passam a trabalhar juntos para descobrir o assassino, que está mais perto do que se imagina.


Noomi Rapace como Lisbeth Salander, na versão sueca de Os Homens que Não Amavam as Mulheres.
No decorrer da história, descobrimos mais sobre o passado de Lisbeth, que é tutelada do estado sueco e passou a adolescência em clínicas psiquiátricas. Terminada a investigação sobre Harriet, Lisbeth e Mikael seguem caminhos separados, mas voltam a trabalhar juntos quando a hacker é injustamente acusada de um duplo assassinato. A história, entretanto, não acaba por aí: para provar a inocência de Lisbeth, Mikael vai descobrir um dos maiores esquemas de corrupção na história da Suécia e que, de maneira surpreendente, tem a ver com o pai de Salander.

Stieg Larsson não poupa nenhum detalhe. Sua narrativa crua, realista e absurdamente detalhista preocupa-se em fornecer o máximo de informações sobre os personagens, procurando criar um panorama completo. Ao longo da narrativa, somos apresentados a diversos personagens, todos complexos e muito bem construídos, e temos histórias paralelas que se juntam e se separam dentro de uma história maior. Por este motivo, seu estilo de escrita dá a impressão de ser uma transcrição, um relato de uma história real, e a brutalidade das situações forçam os personagens ao seu limite, o que torna a trilogia muito mais eletrizante.

Ativista político desde jovem, Larsson não possui papas na língua e não se acanha em tratar de temas considerados polêmicos ou tabus. Assuntos como corrupção, abuso sexual, misoginia, jogos de poder, um estado que atende apenas interesses privados, tráfico e lavagem de dinheiro são trabalhados profundamente, e a narrativa escancara um lado obscuro da Suécia, bem diferente do que estamos acostumados – racista, machista, corrupta, apática, cega para questões sociais, preconceituosa e hipócrita, mas ao mesmo tempo, fascinante.

Morto em 2004, aos 50 anos, vítima de um ataque cardíaco, Stieg Larsson sempre quis ser escritor, mas seu primeiro contato com a literatura não foi com o romance policial – foi com a ficção científica. Publicou vários fanzines quando jovem e era figurinha carimbada nas convenções de sci-fi da Suécia. Ao ficar mais velho, entretanto, identificou-se cada vez mais com as questões humanitárias e tornou-se um dos maiores ativistas de direitos humanos do país. Fundou a revista Expo em 2002, onde publicava artigos anti-racistas e denunciava violações aos direitos humanos na Suécia. Angariou vários inimigos e recebia constantes ameaças de morte. Planejava escrever pelo menos 10 livros da série – quando morreu, deixou apenas a trilogia e um rascunho de um quarto livro, além de resumos e delimitações dos outros seis.

A trilogia Millenium não é para os cheios de não-me-toques, nem para aqueles que se ofendem por pouco- mas para aqueles que gostam de uma história policial consistente, recheada de suspense e desdobramentos inesperados, a série é uma das melhores do gênero, apresentando crítica social e genialidade literária numa mesma narrativa. Larsson se foi cedo, mas deixou uma obra prima que vai cativar até os mais céticos. Acredite – uma vez que se é puxado para o universo de Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist, é impossível sair.


*Luisa Santos é estudante do 3 ano do curso técnico em Equipamentos Biomédicos do CEFET/MG, tem o blog Estrelete e colabora com fóton Blog.

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