domingo, 9 de setembro de 2012

Impactando nossos jovens



Por Eve Marder (a), Helmut Kettenmann (b) e Sten Grillner (c)
Originalmente publicado no PNAS - Proceedings of the National Academy of Sciences of the Unitated States of America 
Tradução de Júlio Rocha*

Muito tem sido escrito sobre fatores de impacto, como eles são calculados e o que eles medem e não medem. Brevemente, o fator de impacto do Institute for Scientific Information (ISI), é calculado para cada periódico como o número de citações por artigo publicado nesse periódico nos últimos 2 anos.  Quando o fator de impacto de 2 anos foi criado, a intenção era que ele fosse uma ajuda para os bibliotecários tomarem decisões sobre qual revista comprar, de modo que eles pudessem ter uma ideia aproximada da influência dessa revista em determinada área. Neste contexto, o fator de impacto faz sentido. Mesmo assim, a utilização do fator de impacto para julgar cientistas, departamentos e instituições é um extraordinário caso de estudo das leis das consequências não intencionais.  Assim como muitas intervenções bem intencionadas em política social, ecologia e medicina, confiar no fator de impacto como parte da avaliação de candidatos e programas tem causado uma miríade de problemas, apesar de ter resolvido alguns.


Hoje, o fator de impacto é comumente usado como um atestado de prestígio de uma revista. Esse atestado é conveniente para aqueles que desejam avaliar jovens cientistas em um determinado campo, porque ele não requer conhecimento da reputação de uma revista ou experiência específica em todos os campos. Em alguns países, acreditavam que o fator de impacto poderia proporcionar uma métrica mais objetiva para excelência científica do que mera confiança em pedigrees científicos. Por este motivo, o fator de impacto tornou-se uma parte formal do processo de avaliação de candidatos para empregos e promoções em muitos países, com consequências ao mesmo tempo salutares e perniciosas.

Há várias razões pelas quais faz pouco sentido confiar no fator de impacto como avaliação de cientistas. Porque o artigo menos importante publicado terá o mesmo fator de impacto do artigo mais importante publicado na mesma revista, o número de citações de um dado artigo frequentemente não reflete o fator de impacto do periódico em que foi publicado. Contudo, nossa maior preocupação não é se a utilização do fator de impacto faz sentido para avaliar indivíduos, mas a consequência negativa sobre como nossos jovens cientistas irão fazer decisões relativas a como fazer ciência, publicar seus trabalhos e se candidatar para empregos. Nosso argumento é de que o excesso de confiança no fator de impacto é uma força corruptora em nossos jovens cientistas (e também em alguns cientistas seniores) e que estaríamos bem servidos livrando-nos de sua influência.

O empreendimento científico é algo acerca da criação e disseminação de conhecimento novo. No mundo atual, onde é possível publicar descobertas na internet, revistas científicas agregam valor oferecendo revisão por pares. Em alguns periódicos, a revisão por pares consiste principalmente em perguntar se o trabalho foi feito corretamente, se os controles adequados e estatísticos estão presentes, se as figuras e texto estão claros e se os argumentos fazem sentido lógico. Em outras revistas, a revisão por pares dá ênfase na potencial importância e inovação do trabalho.

Não surpreendentemente, os periódicos com o maior fator de impacto (deixando de lado as revistas de revisão) são aqueles que dão mais valor à inovação e significância. Isso pode distorcer as decisões sobre como realizar um projeto científico. Muitas, se não a maioria, das descobertas científicas importantes são casuais. Conhecimento é considerado novo precisamente porque era imprevisto. Consequentemente, é difícil prever quais projetos vão gerar dados úteis e informativos, que serão adicionados ao nosso corpo de conhecimento, e quais irão gerar descobertas de sucesso. Hoje em dia, muitos de nossos pós-doutorandos acreditam que a obtenção de um artigo em uma revista de prestígio é mais importante para sua carreira a fazer ciência em si.

Nós temos visto pós-doutorandos gastando anos submetendo artigos para periódicos de alto fator de impacto, sendo rejeitados, e em seguida, reenviando-os para revistas logo abaixo na cadeia de prestígio, custando meses e meses de tempo que seria mais bem gasto fazendo ciência nova. Infelizmente, este processo corrói o seu sentimento de realização. Em vez de estar satisfeito por comentários dizendo que o trabalho foi bem feito e apresentado de forma clara, eles estão decepcionados pelo fator de impacto do periódico em que eventualmente foi publicado. Muitos pós-doutorandos dizem que seus periódicos favoritos, onde encontraram os artigos que gostam de ler e onde escolheriam publicar, se não sentissem pressão para publicar em revistas de alto fator impacto, estão fora de seus limites por causa do sistema de avaliação governamental. A hipocrisia inerente na escolha de um jornal por causa de seu fator de impacto, ao invés da ciência que se publica nele, mina os ideais pelos quais a ciência deveria ser feita. Isto contribui para desilusão, fazendo com que alguns dos nossos talentosos e criativos jovens deixem a ciência.

Há países que dão dinheiro e outros prêmios a jovens cientistas por publicações em revistas de alto fator de impacto. Entendemos que queiram encorajar os jovens a aspirar reconhecimento internacional por seu trabalho. No entanto, colocar ênfase demasiada em publicações em revistas de alto fator de impacto é uma receita para o desastre. No extremo, cria a tentação de falsificar dados. Mesmo entre os mais escrupulosos, ele envia a mensagem de que a busca honesta pela verdade na ciência não é suficiente para o sucesso.

Existe uma solução? No mínimo, devemos desistir de usar fatores de impacto como um atestado de excelência e substituí-los por uma análise profunda da ciência produzida por candidatos a cargos e bolsas. Isso requer mais tempo e esforço de cientistas seniores e de cooperação da comunidade internacional, porque nem todos os países possuem especialistas necessários em todas as áreas da ciência. Já existe um dado número de países ao redor do mundo solicitando opiniões internacionalmente. Todos nós devemos estar dispostos a participar de avaliações internacionais, porque esta é a única maneira que podemos libertar os nossos jovens cientistas da tirania do fator de impacto. Como uma sociedade de cientistas, devemos estar vigilantes para garantir por todas as nossas ações que o nosso trabalho é o da busca de conhecimentos novos e sua disseminação, não a busca da glória perante a verdade.


(a) Ex-Presidente da Society for Neuroscience;
(b) Ex-Presidente da Federation of European Neuroscience Societies; 
(c) Ex-Presidente da Federation of European Neuroscience Societies;
*Júlio Rocha é físico e realiza estágio pós-doutoral no The Center for Simulational Physics at The University of Georgia.

Um comentário:

Matheus Matos disse...

Vale a pena colocar na sala do café......

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