quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Marighella e o primeiro periódico brasileiro de matemática

Por João Augusto de Lima Rocha* 
Via Jornal da Ciencia da SBPC

André Matteddi, professor do Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em História e Filosofia da Ciência da UFBA/UEFS, revelou num artigo publicado em Episteme (Porto Alegre, n. 11, p.37-56, jul./dez. 2000) a descoberta de exemplares da Revista Brasileira de Matemática na Biblioteca da Escola Politécnica da UFBA, cuja data de lançamento serviu para caracterizá-la como o primeiro periódico matemático de abrangência nacional.

Pelo que apresentam os dez exemplares encontrados da revista, criada em 1931, consta que ela contava com representantes em quase todas as unidades da federação, mas esse fato estava longe de representar o estado das pesquisas que se realizavam no País em matemática. No entanto, a iniciativa teve a importância de aproximar os poucos matemáticos e professores de matemática então existentes.

Precedido por outro periódico, a Revista de Matemática Elementar, criado em 1929, também originado na Politécnica da UFBA, a Revista Brasileira de Matemática era editada pelo engenheiro civil Salomão Serebrenick, formado na mesma escola em 1930, que foi morar no Rio de janeiro em 1931.

O citado trabalho de André Matteddi, além de sua tese de doutorado na USP (que versou sobre a matemática na Bahia), não se apercebeu de um aspecto curioso que agora acabamos de descobrir. Os demais responsáveis pela publicação da Revista Brasileira de Matemática, na Bahia, eram Pedro Muniz Tavares Filho, formado em engenharia civil em 1928, que se tornaria mais tarde um dos fundadores da Faculdade de Filosofia e catedrático de Mecânica Racional da Politécnica; Paulo Peltier de Queiroz, que mais tarde se destacaria como dirigente da Codevasf e na direção de importantes obras nacionais de engenharia; e Carlos Marighella, que entrou para o curso de engenharia civil da Politécnica em 1930.

Na oportunidade das comemorações pelo centenário de nascimento de Marighella, em 5 de dezembro de 2011, descobrimos na Biblioteca da Escola Politécnica tanto a presença de Marighella na equipe de organização do periódico, como também um artigo de sua autoria, no exemplar correspondente aos números 11 e 12 da Revista Brasileira de Matemática, páginas 143 e 144, jul. ago. de 1931. Intitulado 'O teorema de Ptolomeu na avaliação dos lados dos polígonos regulares inscritos', o artigo, elaborado pelo então estudante do segundo ano de engenharia civil, com a idade de 19 anos, possui um texto bastante claro e convincente, que revela a vocação matemática interrompida para dar lugar ao poeta e político revolucionário que tanto marcou a nossa história recente. Membro do Partido Comunista do Brasil (PCB), Marighella passou significativa parte de sua vida em prisões políticas, nas quais introduziu cursos regulares para os presidiários. Era o que ele denominava de universidade popular, em que exercia, além do papel de organizador, a função de professor de matemática e engenharia.

Nascido em Salvador, filho de um operário italiano e uma negra descendente dos haussás, conhecidos por sua associação com as revoltas libertárias baianas promovidas no nosso passado, Marighella encarnava o modo de viver baiano marcado pelo envolvimento, não somente com as questões sociais, mas também com a cultura local, inclusive com a capoeira e com o futebol. Na sua trajetória estudantil, tanto no Colégio da Bahia quanto na Politécnica, destaca-se a realização de provas em versos, uma delas de física, sobre a reflexão nos espelhos, e outra em química, que descreve poeticamente os detalhes do elemento hidrogênio e as formas práticas de sua produção.

*João Augusto de Lima Rocha é professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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