domingo, 28 de agosto de 2011

Cientistas de todos os tempos: Michael Faraday (1791 - 1867)

Por Luiz Ferraz Netto*

Originário de uma família humilde, Faraday era o terceiro filho de um ferreiro de Newington, subúrbio de Londres, onde nasceu a 22 de setembro de 1791 -, com apenas treze anos Faraday foi obrigado a abandonar os estudos e procurar trabalho, colocando-se a serviço do livreiro G. Riebau. Além de lhe ensinar a arte de encadernar - que Michael passou a praticar com rara perfeição - o velho livreiro também lhe facilitou o acesso aos livros, abrindo ao garoto o mundo do conhecimento. O próprio Faraday conta o quanto se deliciava com essas leituras, "sobremaneira quando tive em mãos para encadernar ou vender as Conversações em Química de Marcet e as maravilhosas teorias sobre Eletricidade que encontrei na Enciclopédia Britânica".

Com a curiosidade voltada para a Ciência, a partir de 1810 ele começou a freqüentar as palestras da Sociedade Filosófica da Cidade, entidade que se dedicava particularmente à Filosofia Natural (nome que designava as ciências físicas e químicas na época). Os membros dessa Sociedade reuniam-se para ler e discutir os temas científicos mais recentes e, além dos debates, tinham a preocupação de sempre apresentar experiências relativas ao assunto.

Michael era tão interessado nesses encontros que, já em 1812, tendo levantado inúmeras dúvidas durante uma das conferências, foi convidado a fazer, ele próprio, uma explanação para defender seus pontos de vista.

Em 1799 havia sido fundada, em Londres, a Royal Institution da GrãBretanha. A instituição, que sobrevive até nossos dias, era uma associação que, atenta ao desenvolvimento da Revolução Industrial na Inglaterra, se propunha a "ser um centro para a divulgação de conhecimentos mecânicos práticos para os que se dedicam ao artesanato". Além disso, pretendia consagrar-se ao "ensino, por meio de cursos, preleções filosóficas e experimentações, para a aplicação da Ciência aos objetivos comuns da vida diária". Seu principal orador era Sir Humphry Davy, renomado professor de Química e brilhante conferencista.

Em março de 1812, Faraday obteve, através de um amigo, um convite para assistir a quatro palestras de Sir Davy sobre seus trabalhos em Eletroquímica. Ele apreciou muito essas conferências, anotando-as por inteiro, para comentá-las e ampliá-las. posteriormente com desenhos - como sempre fazia em todos os seus estudos.

Nessa época, a complexidade de seus trabalhos já exigia um laboratório de pesquisas; mas, como o ordenado da livraria mal dava para o sustento pessoal, Faraday resolveu, em dezembro de 1812, escrever para Sir Humphry Davy - com quem já trabalhara alguns dias, substituindo um empregado doente -, para pedir-lhe uma colocação na Royal Institution. Junto com a carta, enviou as anotações que fizera durante as conferências a que pudera assistir. Sir Davy ficou muito impressionado e mesmo lisonjeado com os escritos, mas comunicou-lhe que, infelizmente, não havia vagas.

Finalmente, a 1º de março de 1813, a sorte lhe sorriu e lhe foi oferecido um lugar de assistente de laboratório da Royal Institution, além de dois quartos nos altos do instituto, combustível para o aquecedor e velas para a iluminação. Também lhe foi concedida autorização para usar a aparelhagem do laboratório em estudos pessoais.

Além disso, nesse mesmo ano Sir Davy iniciou uma longa viagem pela Europa e Faraday o acompanhou, como assistente e criado de quarto. Esta última condição só lhe foi comunicada às vésperas do embarque, quando se soube que o empregado habitual não poderia viajar.

A viagem durou dois anos, durante os quais Faraday conheceu a Europa mediterrânea, entrando em contato com personalidades como Volta, Ampère e outros cientistas da época. Nesse período, sob a influência de Davy, ele se especializou em Química.

Laboratório do Faraday


Na volta da viagem, em 1815, cheio de idéias novas, Faraday começou uma série de trabalhos. Conseguiu obter em laboratório o elemento cloro puro, em estado líquido; e, numa experiência pioneira, liquefez, entre outros, o dióxido de enxofre, o gás sulfídrico e o dióxido de carbono.

Em 1821, o cientista foi convidado a escrever um artigo sobre um novo ramo de Ciência, a Eletricidade, explicando os trabalhos do físico dinamarquês Hans Christian Oersted nesse campo. Na época, ele estava ocupado com suas tentativas de melhorar uma liga de ferro para uso em instrumental de precisão, fazia experiências sobre o cloro e seus compostos como carbono, e preparava seu casamento com Sarah Barnard. Apesar disso, Faraday começou a estudar as últimas idéias desenvolvidas no terreno da Eletricidade.

Os fenômenos elétricos, principalmente o relâmpago, vinham atraindo a atenção dos homens desde a Antigüidade. Benjamin Franklin fizera uma série de pesquisas para demonstrar que o relâmpago é um fenômeno elétrico. Já em 1749, ele afirmava que o raio e a faísca elétrica são manifestações do mesmo tipo: os dois são praticamente instantâneos, produzem luz e sons semelhantes, são capazes de incendiar objetos e fundir metais, sempre atingem pontas afiadas e lugares altos, podem destruir ou inverter a polaridade de um ímã; além de serem, ambos, capazes de matar seres humanos. Em 1752 ele realizou sua famosa experiência com o "papagaio de papel", recolhendo a descarga de um raio numa garrafa de Leyden e provando, por testes, que essa carga era do mesmo tipo que as obtidas em uma máquina elétrica.

Depois deste experimento, Franklin elaborou a primeira hipótese aceitável sobre a natureza da eletricidade. Admitiu que esta era constituída por um fluido material imponderável, formado de partículas extremamente sutis. São considerados "neutros" os corpos que têm uma certa quantidade normal desse "fluido elétrico"; um excesso de "fluido" torna o corpo "positivamente carregado" e uma falta caracterizado como "negativamente carregado".

Uma das críticas às teorias elétricas de Franklin afirmava que a carga não preenche um corpo, mas apenas se distribui por sua superfície exterior. Assim, já em 1729, Stephen Gray havia colocado a mesma carga de eletricidade em dois blocos de madeira - um maciço e outro oco - de mesmas dimensões, provando, através de experiências, que os dois blocos absorvem a mesma quantidade de carga. Também demonstrou que esta se distribui igualmente apenas na superfície dos corpos, pois um corpo oco, devidamente carregado, não exerce qualquer influência nas cargas elétricas introduzidas na sua cavidade.



Gaiola de Faraday

Posteriormente, esta propriedade das cargas foi confirmada por uma célebre experiência de Faraday. Colocando um eletroscópio dentro de uma gaiola metálica isolada, carregada ao ponto de produzir faíscas, verificou que o eletroscópio não se carregava. Isto porque a distribuição das cargas elétricas, que se acumulam apenas sobre a superfície externa dos condutores, cria, dentro da gaiola, um campo nulo.

No final do século XVII, os cientistas começaram a relacionar os fenômenos elétricos e magnéticos com a gravidade. Como Newton havia provado que a força de gravitação decresce em função do inverso do quadrado da distância, em 1787 Charie Augustin Coulomb concluiu experimentalmente que essa lei também se aplicaria à atração e repulsão elétricas e magnéticas, levando os cientistas franceses a deduzir que estas forças são de mesma espécie que a força da gravidade.

Porém, o físico Hans Christian Oersted começou a procurar um novo caminho: as relações entre eletricidade e magnetismo. Entretanto, só depois da descoberta da pilha voltaica - que fornece uma fonte de corrente contínua é que Oersted pôde obter bons resultados: em 1820 conseguiu provar os efeitos magnéticos da corrente elétrica, mostrando que um fio metálico conduzindo corrente elétrica provoca um desvio na direção (deflexão) de uma agulha magnética.

A descoberta de Oersted provocou grande celeuma, abalando as imagens mecânicas da eletricidade, pois todas as forças até então conhecidas sempre agiam segundo a concepção de ação a distância da mecânica newtoniana atuando segundo uma reta que une os dois corpos -, enquanto com a nova força tal não ocorreria.

Como a maioria dos cientistas da época, Faraday começou a estudar as diversas possibilidades surgidas com a descoberta de Oersted, tendo sido o primeiro a conseguir um progresso real nesse campo. Colocando uma pequena agulha magnética em diferentes posições com relação a um fio reto, pelo qual passava uma corrente elétrica, das atrações e repulsões observadas Faraday concluiu que existe uma tendência do pólo da agulha de girar ao redor do fio e, inversamente, do fio em girar ao redor do pólo do ímã.

Em 1824, ele publica o resultado dessas experiências e a descrição do instrumental usado: uma base, na qual montou um fio, pelo qual passava uma corrente, que girava ao redor de um ímã. Era, na realidade, um motor elétrico na sua forma mais simplificada. Na época, porém, Faraday não se preocupou com suas aplicações práticas, usando-o apenas para demonstrar suas idéias.

Com esse trabalho, seu nome cresce nos meios científicos e, no mesmo ano, ele é convidado para ser membro da Royal Institution, honraria concedida apenas aos cientistas de renome mundial. No ano seguinte, Sir Davy indicou-o para o cargo de diretor dos laboratórios da entidade e o casal Faraday passa a habitar o apartamento que, ainda hoje, é ocupado pelos que assumem o posto.

Sua descoberta mais importante, entretanto, Faraday realizou em 1831: a demonstração da indução eletromagnética. Enrolando várias voltas de fio metálico ao redor de um anel de ferro, ligou-o a um galvanômetro (aparelho usado para assinalar passagem de corrente), denominando esta bobina de A. Em seguida, montou ao redor do mesmo anel uma bobina B - que não tocava a bobina A em ponto algum - e ligou-a à bateria. No momento exato em que fazia esta ligação, Faraday notou que a agulha do galvanômetro de A dera um pulo, imobilizando-se em seguida. Ao desligar a bateria de B, mais uma vez o galvanômetro de A acusou passagem de corrente. Constatou, então, que o galvanômetro do circuito A não se manifestava estando a bateria correspondente ligada ou desligada; porém, no instante em que estabelecia ou interrompia sua ligação com o circuito B, evidenciava-se a passagem momentânea de corrente em A.



Evidenciando a indução magnética

Continuando suas experiências, percebeu que, introduzindo um ímã dentro de uma bobina, esta acusava a presença de uma corrente elétrica. Imaginou, então, que para obter uma corrente contínua num fio condutor, basta que este se mova ininterruptamente próximo ao ímã, processo que corresponde ao princípio do dínamo elétrico.

Outra verificação importante do cientista é que a intensidade da corrente induzida depende da velocidade com que o ímã (ou bobina) se aproxima ou se afasta do circuito desligado e que o sentido da corrente induzida é invertido quando o ímã se aproxima ou se afasta.

Faraday apresentou essas observações à Royal Institution, no dia 24 de novembro de 1831, num volume que denominou Pesquisas Experimentais em Eletricidade.

Faraday numa palestra, com a presença do Príncipe Consorte


A propósito dessas descobertas no campo da indução eletromagnética, consta que Gladstone, primeiro-ministro britânico, teria perguntado ao cientista: "Senhor Faraday, isto tudo é interessante, mas qual é sua utilidade?" Ao que Faraday respondeu secamente: "Talvez, senhor, esta descoberta dê lugar a uma grande indústria, da qual o senhor possa arrecadar impostos".

Antes de Faraday, considerava-se que as forças elétricas e magnéticas, bem como as gravitacionais, atuavam, de modo instantâneo, através do espaço vazio que separa as partículas em interação. Esta "ação a distância", que constituía a base da mecânica newtoniana, não tinha sentido para Faraday: ele imaginava que o espaço entre as cargas elétricas e os ímãs estivesse preenchido por "algo", pois as forças exigem tempo e meios para transmitir-se. Esse "algo" são as linhas de força. Desta forma, ele relegou as partículas a uma condição secundária, dando primazia às linhas de força continuamente distribuídas através do espaço. Para ele, o importante não são as cargas elétricas e os ímãs, mas o espaço em que atuam. Esta é a idéia de campo de força, ou simplesmente campo, que destaca a importância fundamental das propriedades físicas e geométricas do próprio espaço.

O cientista inglês expôs essas conclusões baseando-se apenas em dados qualitativos, pois nunca estudara Matemática - era, antes de tudo, um autodidata dotado de una intuição genial. Porém, foram suas idéias que possibilitaram a James Clerk Maxwell obter as suas famosas equações do campo eletromagnético, que permitiram estabelecer a natureza eletromagnética da luz. Também foram essas idéias que abriram o caminho que levou Einstein a elaborar a Teoria da Relatividade.

Esses trabalhos aumentaram ainda mais o prestígio de Faraday e assim, apesar de nunca ter tido uma instrução escolar completa, ele recebeu, em 1832, o Diploma Honorário da Universidade de Oxford, sendo homenageado, logo depois, com a medalha Copley da Royal Institution, a maior honraria concedida pela entidade.

Depois da descoberta da indução eletromagnética, Faraday continuou investigando a influência dos corpos materiais sobre os campos de força.

Em 1837 descobriu que, conforme a qualidade do material isolante, varia a quantidade de carga que um condensador (duas placas condutores separadas por um isolante) pode receber de uma fonte mantida a uma diferença de potencial constante. Percebeu que o condensador recebe menos carga quando há vácuo entre suas placas. À proporção de carga que um condensador pode receber chamou a capacidade elétrica desse condensador. Em sua homenagem, a unidade de capacidade é chamada de farad.

A partir de 1858, Faraday começou a afastar-se da vida pública, abalado por uma doença que lhe causava períodos de perda de memória. Na época, por graça da rainha Vitória, foi lhe oferecida, por seus "inestimáveis serviços pelo bem-estar público", uma casa para morar. Porém, durante quatro anos ele ainda esteve bastante ocupado com seus afazeres científicos. Sua saúde, entretanto, foi piorando e a partir de 1862 ele permaneceu a maior parte do tempo em casa, onde veio a falecer a 25 de agosto de 1867. Seu cortejo fúnebre foi um acontecimento de importância oficial na Grã-Bretanha, sendo enterrado na Abadia de Westminster, ao lado de Newton.

Os trabalhos de Faraday, posteriormente utilizados por Maxwell e Einstein, levaram ao desenvolvimento da física moderna e, a partir do estudo dos fenômenos eletromagnéticos, à criação de novos conceitos, principalmente no campo da Mecânica. Assim construiu-se uma nova imagem do Universo, da mesma forma que, trezentos anos antes, Galileu e Newton o fizeram, iniciando a física clássica.

*Luiz Ferraz Netto leobarretos@uol.com.br

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