Com o início de operações do LHC (Large Hadron Collider), no CERN, teremos a oportunidade de estudar aspectos do Modelo Padrão, bem como novas teorias, com precisão nunca antes conseguida. A expectativa pelo desconhecido é grande e estimulante. Podemos estar em vias de criar uma nova quebra de paradigma acerca do nosso entendimento da Natureza, como a quebra ocorrida no início do século XX com a Mecânica Quântica e a Relatividade.
Podemos também simplesmente confirmar o que já sabemos e nada de novo ocorrer. Teremos respostas em alguns anos (não acho que teremos descobertas de primeiro dia, como muitos pensam).
Contudo, muitas pessoas estão assustadas com possibilidades catastróficas, decorrentes das colisões que serão realizadas. Uma delas, diz respeito à formação de mini buracos negros que, eventualmente, podem crescer, engolindo o planeta, gerando a nossa destruição. Na continuação deste post, descrevo algumas estimativas para que possamos compreender melhor as possibilidades. Por ser um texto de divulgação, pode faltar um pouco de precisão de linguagem em favor de um entendimento maior para uma pessoa que não é especialista no assunto.
Muitas pessoas vêem buracos negros como sendo aquelas coisas destruidoras de ficção científica. Uma vez criado um buraco negro ele engole tudo que está a sua volta, impiedosamente. Isto é verdade? É sempre assim que acontece?
O que é um buraco negro?
Um buraco negro, em linhas gerais, é uma região do espaço no qual temos uma quantidade de matéria comprimida em um volume muito pequeno, talvez pontual. Como a atração gravitacional tem uma dependência com a distância (r) de 1/r2, se estivermos muito próximo a este corpo, estaremos sujeitos a atrações gravitacionais elevadas. Contudo, a distâncias moderadas, a atração gravitacional é a mesma de um corpo normal de mesma massa. Por exemplo, um buraco negro com massa de uma bola de tênis terá, se a distância for de alguns centímetros, a mesma atração gravitacional de uma bola de tênis comum. Ou seja, o problema de um buraco negro depende de quão próximo nos encontramos dele.
Para quantificar qual é a distância "segura" de um corpo a um buraco negro, define-se o raio de Schwarzschild como sendo a distância na qual a luz (com velocidade c) já não conseguiria escapar do campo gravitacional deste buraco. Por exemplo, um buraco negro de massa igual a massa do Sol, possui um raio de Schwarzschild de aproximadamente 3 km. Contudo, se estivermos na mesma distância que nos encontramos hoje do Sol, sentiríamos a mesma atração gravitacional que sentimos hoje.
No caso do LHC, haverá colisões p+p (um próton colidindo com outro) em uma energia de até 14 TeV (em física de partículas é comum usar a unidade de eV (eletron-volt) para energia. 1 eV = 1,6x10-19J. O TeV é um múltiplo do eV, e 1 TeV = 1012eV). Do ponto de vista microscópico, esta energia é gigantesca. Contudo, macroscopicamente, esta energia corresponde a energia de um mosquito voando, ou seja, para o nosso dia-a-dia, muito pequena. Se toda esta energia fosse convertida em massa (veja a equivalência massa-energia), teríamos a massa equivalente a 14000 prótons (o equivalente em energia para a massa de um próton, mp, é de aproximadamente 1 GeV = 1/1000 TeV).
Simulação de uma colisão p+p no LHC. As diferentes cores indicam diferentes tipos de partículas. |
A primeira pergunta que devemos fazer é: É possível criar um buraco negro de massa com equivalente em energia da ordem de alguns TeV? Para criar um buraco negro, devemos ter que a atração gravitacional seja forte o suficiente para que supere as outras forças da Natureza, como a eletro-fraca e a força forte. Neste momento temos a primeira suposição teórica: No universo 4-dimensional que conhecemos (3 coordenadas de posição e uma de tempo), a escala de unificação da força gravitacional com as demais deve ocorrer em energias da ordem de 1016 TeV, ou seja, muito maior que a energia do LHC ou qualquer outro acelerador que o Homem construa em um futuro próximo. Contudo, novas teorias (supercordas) indicam que, se o Universo for composto por mais dimensões (10, por exemplo), esta escala de unificação pode ocorrer em energias compatíveis com as do LHC, sendo possível a criação de buracos negros com esta massa. Se buracos negros forem realmente criados, estaremos realizando descobertas realmente significativas.
Calculando o raio de Schwarzschild para esta massa (lembre-se que a escala de unificação é agora da ordem de TeV, o que muda o valor da constante gravitacional. Veja, por exemplo Phys. Rev. Lett. 88, 221602 (2002)), chegamos a um raio de aproximadamente 10-18 m. Comparado a um próton, cujo raio é ~10-15 m, vemos que este buraco negro é extremamente pequeno. Ou seja, para um objeto qualquer ser "engolido" pelo buraco negro é necessário que ele esteja, realmente, muito próximo ao mesmo.
O que aconteceria com os buracos negros no LHC?
Supondo que, de fato, criamos buracos negros no LHC. O que aconteceria com eles? Há três aspectos que devemos investigar: Os buracos negros são estáveis? Se forem, eles permaneceriam na terra? Permanecendo na terra, eles seriam perigosos?
A primeira pergunta é mais simples de responder. Em 1974, Stephen Hawking previu que buracos negros evaporam através de emissão de radiação. Esta radiação recebeu o nome de radiação Hawking. A emissão de radiação corresponde a uma perda de massa do buraco negro. Se houver um desequilíbrio ente massa evaporada e absorvida, o buraco negro não é estável. Se a balanço for positivo (absorve mais que evapora) o buraco negro aumenta de tamanho. Se for negativo, ele diminui de tamanho podendo, inclusive, desaparecer. Calculando-se o tempo de evaporação de buracos negros com a massa disponível nas colisões do LHC (~10-20 a 10-30 s) chega-se a conclusão que a vida média em um buraco negro deste tipo é muito pequena, insuficiente para que haja tempo de absorver massa.
Muito provavelmente, nem toda a energia do LHC seria convertida em massa. Parte desta energia seria mantida pelo buraco negro como energia cinética, ou seja, velocidade. É pouco provável que ele seja criado parado. A interação deste buraco negro com o mundo macroscópico ao seu redor é predominantemente gravitacional. Ele ficaria no Planeta? Qualquer objeto para ser lançado ao espaço por um impulso inicial único, precisa ter velocidade suficiente para vencer a atração gravitacional da Terra. A velocidade mínima que isto ocorre é chamada de velocidade de escape. No caso do campo gravitacional da Terra, esta velocidade é de aproximadamente 11 km/s. Esta velocidade é muito pequena, comparada com as velocidades típicas envolvidas nas colisões do LHC. A grande maioria dos buracos negros criados seriam lançados ao espaço. Alguns modelos para a distribuição de rapidez de buracos negros (hep-ph/0507138) indicam que uma fração insignificante (aproximadamente 1 em 100000 ou menos) não terá velocidade para escapar do campo gravitacional terrestre.
Se, por um acaso, este buraco negro não escapasse da terra, seria atraído para o seu interior. Qual é a taxa que este buraco negro absorve matéria terrestre? Lembrando que o raio de Schwarzschild do nosso buraco negro é ~10-18 m, isto dá uma seção de choque de interação de aproximadamente ~10-36 m2 (área geométrica de uma circunferência com este raio).
Considerando a terra como feita de ferro, cuja densidade é ~8 g/cm3, e considerando que a massa do Ferro esteja somente no seu núcleo, temos que a densidade da terra pode ser aproximada para 8x1022 núcleos/m3. O livre caminho médio de um buraco negro nesta matéria vale, aproximadamente 12000 km. Com uma velocidade de 11 km/s, o buraco negro leva aproximadamente 1000 segundos para atingir um núcleo de ferro. Isto não significa que ele absorve este núcleo de ferro. Deveríamos fazer muitas suposições sobre como a matéria está distribuída dentro deste núcleo em termos de quarks e gluons. Pesquisando um pouco, achei uma reportagem no LiveScience de setembro de 2006, na qual Greg Landsberg, da Brown University, diz que o tempo de absorção de um próton seria da ordem de 100 horas. Neste ritmo, o tempo necessário para um buraco negro adquirir massa equivalente a 1 mg (um comprimido de remédio tem massa da ordem de 500 mg) seria maior que a idade do Universo. Mesmo que ele absorvesse um próton a cada colisão, ou seja, 1000 s, este tempo ainda seria desta ordem. Não viveríamos para ver. O Sol se extinguiria muito antes disto ocorrer.
Em resumo, são muitas suposições diferentes que tivemos que utilizar. Em um cenário catastrófico supomos que:
- O Universo, na verdade, possui mais que 4 dimensões. Neste caso, seria possível criar buracos negros no LHC.
- Buracos negros não emitem radiação de Hawking. Se emitissem, com a massa que eles possuem, seriam evaporados instantaneamente.
- Estes buracos negros deveriam estar presos pelo campo gravitacional terrestre. Somente uma pequena fração satisfaria esta condição. A grande maioria seria ejetada no espaço.
- Mesmo com as hipóteses acima, o tempo para absorver um próton seria muito grande, devido ao pequeno raio do buraco negro (~10-18m). Levaria um tempo da ordem da idade do Universo para este buraco negro atingir massas da ordem de miligramas.
Com as argumentações acima, pode-se dizer que eventuais perigos seriam ridiculamente pequenos. Um cientista nunca diz zero, pois sempre podemos calcular um limite não nulo. Mas eu pergunto: Qual é a chance de ganhar, sozinho, na Mega-Sena, 100 vezes seguidas? Qual é a chance de você se jogar pela parede e tunelar para o outro lado? Qual é a chance de, neste exato momento, um dinossauro ser transportado pelo tempo e aparecer na sua frente? É zero? Podemos calcular um número finito não nulo que exprima esta probabilidade. Vai ocorrer de fato? O que você acha?
Sempre podemos argumentar que, se existe uma chance, para que arriscar? Será que é tão fácil destruir o planeta como imaginamos? Será que a energia de um mosquito em vôo pode ser suficiente para destruir a Terra? Vamos lembrar que, em um ano, um número muito grande de raios cósmicos com energias muitas ordens de grandeza maiores que as do LHC bombardeiam o planeta. Estes raios cósmicos podem criar, a cada ano, um número incontável de buracos negros, alguns, quem sabe, no nosso interior. Ainda não houve um único deles que tenha nos destruído. Para ser sincero, ainda não há evidências experimentais que eles realmente se formaram. Quem sabe nem sejam formados.
*Alexandre Suaide é Professor Doutor do Instituto de Física daUniversidade de São Paulo e desenvolve atividades de pesquisa na área de íons-pesados relativísticos nos experimentos STAR (RHIC), localizando no Brookhaven National Laboratory, EUA eAlice (LHC), no Cern.
fonte: Quarks de Ciência
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