O professor Olival Freire Junior *, do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia, é o novo secretário do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia. Nesta entrevista ao Vermelho, Freire Jr. fala das atribuições do Conselho e da necessidade de conscientizar a sociedade para a importância de cobrar mais investimentos para a área, que é de extrema importância para o desenvolvimento social e econômico do Brasil.
O Brasil investe apenas 1,1% do PIB em ciência e tecnologia, enquanto o Japão investe 3,4% e os EUA, 2,8% do PIB. Como fazer para ampliar o investimento na área?
Olival Freire Júnior – Primeiro, é preciso levar em conta que este 1,1% representa uma significativa expansão em investimentos brasileiros em ciência e tecnologia nos últimos oito anos. Este índice tem que ser visto como parte de uma tendência de aumento de investimentos nesta área. O crescimento deste investimento continua sendo o desafio central da área de Ciência e Tecnologia. A expectativa que se trabalha no Ministério é de chegarmos a um índice de 1,8% em quatro anos. O que, para o índice que temos atualmente, é um crescimento bastante significativo. Efetivamente, a taxa que nós temos hoje é 1,2%. Então a meta de chegar a 1,8% significa um aumento de mais de 50% em quatro anos, não em valores absolutos, pois em valores absolutos o aumento será bem maior, mas em percentual do PIB.
Para chegar lá, precisaremos ir além dos investimentos federais, com a montagem de parceria com estados e municípios. E aqui, chamo a atenção a que vários municípios têm fundações de apoio à pesquisa, têm se organizado a ter atividades de ciência e tecnologia. E neste terreno, a Bahia não tem trilhado um caminho muito efetivo, no sentido em que os municípios baianos não têm uma participação muito efetiva na disputa por investimentos em ciência e tecnologia em seu próprio território, a começar por Salvador, mas não somente Salvador.
Vermelho - E como ficam os investimentos do setor privado?
OFJr. – Outro vetor de investimento importante é a atração de investimentos privados, porque estes índices que temos aí de outros países é sintomático de que o maior distanciamento brasileiro em relação aos países desenvolvidos diz respeito a investimentos privados em ciência e tecnologia e não exatamente a investimento estatal, embora também em relação a investimento estatal nós precisemos elevar. Então nós temos um desafio crucial que é elevar os investimentos privados em ciência e tecnologia.
Um aspecto que certamente será debatido no governo é a ampliação dos chamados fundos setoriais, que são dispositivos que foram criados no momento das privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso, mas são dispositivos que só começaram efetivamente a render frutos para a ciência e tecnologia brasileira mais adiante. Atualmente, nós trabalhamos com a expectativa de ampliação destes fundos, bem como com a expectativa de ampliação de investimentos privados, inclusive investimentos estrangeiros. Na imprensa, por exemplo, há notícias de que a primeira negociação com empresas da presidente Dilma na China envolve atração de uma empresa chinesa em significativos investimentos para o Brasil.
A China hoje é o maior investidor no Brasil, mas um investidor voltado basicamente para a área de commodities, portanto, para área de mercadorias sem muito valor agregado, sem muito investimento tecnológico. Então a presidente Dilma quer qualificar nossa relação com a China, atraindo, por exemplo, investimentos para setores de maior densidade tecnológica e especificamente a atração de investimentos na área de ciência e tecnologia. Então hoje o noticiário é de que o primeiro contato da presidente com uma grande empresa chinesa envolve a construção de um centro de pesquisa na área de microeletrônica na região de Campinas, em São Paulo.
Então, eu acho que o desafio da elevação de investimentos em ciência e tecnologia tem que ser um desafio multilateral. Ao lado de tudo isto, eu acho que a gente tem um grande desafio que é social e político. É preciso que a sociedade brasileira, o movimento sindical, estudantil, os movimentos sociais compreendam o papel dos investimentos em ciência e tecnologia não como, digamos assim, uma perfumaria de país rico, mas como algo essencial para alavancar o desenvolvimento brasileiro.
Por exemplo, no debate que nós temos no Brasil sobre o desenvolvimento científico e tecnológico, chama-me muita atenção o fato de não ouvirmos muitas vozes, por exemplo, do movimento sindical, que deveria ser uma voz ativa nesta questão. Portanto, eu acho que nós temos um desafio também que é político e social, que é de formação de uma consciência na sociedade brasileira do papel do desenvolvimento em ciência e tecnologia e em educação, como instrumentos essenciais para o desenvolvimento social e econômico do país.
Vermelho - Grande parte do povo brasileiro não entende a importância de se discutir e de se investir mais em CT&I. O Conselho estuda alguma ação para tentar reverter esta situação e colocar o assunto em debate nas escolas e outros espaços da sociedade?
OFJr. – Eu espero que sim, mas a minha função é secretariar o Conselho, não é coordenar o Conselho. O Conselho é coordenado, é presidido pela presidente Dilma Rousseff. Agora, o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Secretaria do Conselho, cabe ao Ministério da Ciência e Tecnologia, já vem fazendo várias atividades no âmbito da divulgação cientifica, em particular uma atividade que vem sendo desenvolvida na Bahia, mas que precisa ser intensificada, que é a realização anual de semanas de ciência e tecnologia nas quais diversas atividades de divulgação, relacionadas à ciência e tecnologia, são feitas na expectativa de atingir o público em geral e também as escolas. O tema deste ano é um tema extremamente importante, pois vai envolver a discussão dos problemas dos desastres naturais, das mudanças climáticas, que é um tema que está na ordem do dia, já que envolve fortemente o aporte de ciência e tecnologia.
Vermelho – Como a CT&I pode ajudar no desenvolvimento do país, na geração de emprego e renda?
OFJr. – O Brasil é hoje um dos grandes produtores de commodities de mercadorias com baixo valor agregado. Ao largo de continuarmos como produtor das mais variadas commodities. E aqui abro um parêntese de que algumas dessas commodities já são fruto de grandes investimentos em ciência e tecnologia do governo brasileiro ao longo de décadas. A potência agropecuária, principalmente a potência agrícola que o Brasil é hoje, é muito fruto de investimentos nas chamadas ciências agrárias. São fruto de investimentos de décadas do Brasil que foram intensificados a partir da década de 1970, com a criação da Embrapa. Então, o que nós somos hoje, já reflete os investimentos em ciência e tecnologia. Mas, precisamos investir mais em ciência e tecnologia para termos empregos mais qualificados. É fácil perceber que os empregos na área de petróleo ou na área de indústria da aeronáutica ou mesmo na área da indústria automobilística, são empregos mais qualificados que empregos na área da construção civil. Então, os investimentos em ciência e tecnologia vão contribuir para o desenvolvimento do país e para geração de emprego, principalmente para a geração de empregos melhor qualificados e isso é também de interesse do trabalhador.
Vermelho - Os investimentos podem diminuir as desigualdades regionais?
OFJr. – Eu diria que os investimentos em ciência e tecnologia não necessariamente levam a enfrentar as desigualdades regionais. Eu acho que, no atual momento, o investimento em ciência e tecnologia leva ao agravamento da concentração, na medida em que a grande maioria das atividades em ciência e tecnologia no país está concentrada na região Sudeste, em particular em São Paulo.
Então é imprescindível uma ação do Estado brasileiro, com as forças políticas atuantes no Brasil, para que estes investimentos em ciência e tecnologia sejam também dirigidos à desconcentração desta atividade, portanto ao estreitamento das desigualdades regionais. Neste terreno, o estado da Bahia tem dado passos, mas, em minha opinião, são passos ainda tímidos para posicionar melhor a Bahia na questão dos investimentos em ciência e tecnologia no Brasil.
Nós temos em andamento na Bahia um investimento que é extremamente importante, que é o Polo Tecnológico, ali na Paralela. Recentemente eu tive uma reunião com o secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Paulo Câmera, e fiquei bastante impressionado, pois ele tem a intenção de inaugurar este Polo ainda este ano. Então eu acho um grande investimento, bem positivo, mas globalmente o esforço que o estado da Bahia precisa fazer em relação a este tema ainda precisa ser mais consistente. Não apenas o estado, enquanto máquina estatal, mas também o conjunto de municípios precisa enfrentar este problema. Os municípios precisam enfrentar esta ideia de que a Bahia é terra de cultura, de arte, de música, mas também é terra de ciência e temos áreas de excelência em desenvolvimento cientifico e tecnológico, que precisam ser fortemente apoiadas pelo estado e pela sociedade baiana.
Vermelho – Como a sociedade pode trabalhar para reverter esta situação? De quem é esta função? Do estado? Dos municípios?
OFJr. – Eu acho que o estado tem a responsabilidade central. Certamente, a Secretaria de Ciência e Tecnologia; as fundações de apoio à pesquisa; os municípios, principalmente os que já têm atividades de ciência e tecnologia. E aí eu volto a frisar, que são atores que não vêm se movimentando, no caso da Bahia, neste terreno. Municípios como Salvador, Feira de Santana, Itabuna, Ilhéus, Vitória da Conquista, Jequié e Juazeiro, são todos municípios que têm instituições importantes de ciência e tecnologia, mas que as prefeituras não têm sido os atores mais eficazes. Mas, os atores políticos da Bahia: deputados e vereadores, líderes do movimento sindical e todas as lideranças políticas do estado têm uma responsabilidade com a questão da ciência e da tecnologia.
Vermelho - A economista Tânia Bacelar afirma que o Nordeste perdeu, no século 20, o trem do desenvolvimento industrial. Não houve investimentos em infraestrutura e em ciência e tecnologia na região. O Sr. concorda com esta afirmação? Como fazer para recuperar o trem do desenvolvimento na região?
OFJr. – Eu acho que o Nordeste perdeu esta condição ao longo do século 20 e não em um momento particular. Acho que aí há fatores que extrapolam as questões da ciência e tecnologia. São fatores históricos mais complexos, que levaram a uma concentração do desenvolvimento econômico e social na região Sudeste. Mas, certamente, o enfrentamento das desigualdades regionais, que deve ser feito em diversas frentes, precisa ser feito também na área de ciência e tecnologia.
Vermelho – Quais são seus planos à frente da secretaria do Conselho? Quais os principais desafios a serem enfrentados?
OFJr. – Primeiro, é preciso deixar bem claro que o Conselho é um órgão brasileiro de caráter consultivo. Eu coordeno a secretaria do Conselho. Então o que está no âmbito das minhas possibilidades é o fortalecimento e a dinamização do Conselho. A dinamização do Conselho é uma aspiração da comunidade científica brasileira. Na 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada no ano passado, esta foi uma das recomendações expressas, de que o Conselho deveria se articular, ser fortalecido, dinamizado, ser subsidiado por estudos, se relacionar com outros conselhos e outras instâncias governamentais. Então eu diria que meus esforços estão totalmente voltados para o fortalecimento e a dinamização do Conselho.
Neste exato momento, estamos trabalhando a parte do Conselho que é composta por usuários e produtores de ciência e tecnologia. Porque o Conselho envolve um conjunto de ministérios, um conjunto de usuários e produtores de ciência e tecnologia, que são designados pela Presidência da República, e participações da sociedade civil, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Academia Brasileira de Ciência. Então, neste momento, estamos concentrados na elaboração de propostas de renovação de mandatos desta parte do Conselho que é composta de usuários e produtores de ciência e tecnologia, para que o Conselho, com o seu mandato renovado, possa em curto prazo realizar a sua primeira reunião. A minha missão aqui é basicamente esta, de dinamizar a atuação do Conselho.
* O professor Olival Freire Júnior é licenciado e Bacharel em Física pela UFBA, Mestre em Ensino de Física e Doutor em História Social pela USP. Atualmente é Professor Associado II desta universidade e Pesquisador 1-C do CNPq na área de História da Ciência. Realizou estágios de pós-doutoramento na Université Paris 7 e na Harvard University e Estágio Senior no MIT. Em 2004 foi distinguido com Senior Fellowship do Dibner, Institute for the History of Science and Technology, MIT, EUA. É ainda o presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência para o período 2011-2012 e o 1º Vice-Presidente da Comissão para História da Física Moderna da União Internacional de História e Filosofia da Ciência.
fonte: Vermelho
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