Por Domingos Sávio de Lima Soares*
Publicado no site do autor 28 de agosto de 2007
Semanalmente republicaremos no fóton a Série o Reino das Galáxias.
Gostaria de sugerir uma emocionante aventura pelos céus: estamos em excelente época para começarmos a nos preparar para ver, à vista desarmada, uma galáxia inteira! Com sorte, duas! Trata-se da GRANDE NUVEM DE MAGALHÃES e da PEQUENA NUVEM DE MAGALHÃES!
Ambas são galáxias anãs, com formatos irregulares, satélites de nossa própria galáxia, a Via Láctea. Mas nada mal para se iniciar no fabuloso mundo das galáxias...
Galáxias são grandes conjuntos de estrelas que são mantidas juntas pela atração gravitacional mútua. O Sol é apenas uma das centenas de bilhões de estrelas da nossa galáxia, à qual chamamos Via Láctea.
A atração gravitacional é uma das interações fundamentais da natureza --- matéria atrai matéria --- e é responsável, por exemplo, pelo peso que temos e pela presença da Lua em nossos céus. O equilíbrio do universo é sustentado pelo balanceamento perfeito entre a atração gravitacional e o movimento dos corpos. Se a Lua, por alguma razão, parasse de se movimentar, ela "cairia" sobre a Terra. Se as estrelas parassem, elas "cairiam" umas sobre as outras; se as galáxias parassem, também elas, "cairiam" umas sobre as outras.
As galáxias são muitas vezes chamadas de os "tijolos" fundamentais da estrutura do universo. O universo (tudo o que existe) pode ser estudado em "grande escala" como se fosse um conjunto de "pontos", no qual cada "ponto" é, na verdade, uma galáxia. Nestes estudos procura-se entender a evolução do universo como um todo. Por isso, as fenomenais galáxias podem ser tratadas como se fossem simples pontos. O estudo da origem e da evolução do universo é feito no ramo da ciência --- na verdade, uma subdivisão da Astrofísica --- denominado Cosmologia.
A Via Láctea possui muitas companheiras menores (galáxias-satélites), que a acompanham em sua jornada pelo espaço cósmico afora. Duas delas são especiais pois estão ligadas de certa forma aos nossos antepassados portuguêses e porque podem ser facilmente descortinadas em céus brasileiros. São elas, a Grande Nuvem de Magalhães e a Pequena Nuvem de Magalhães.
Essas "nuvens" foram avistadas (e registradas) em 1520 pelo navegador português Fernão de Magalhães (1480-1521). Ele foi o primeiro habitante do hemisfério Norte a se referir a elas em suas anotações de viagem. Dai o nome dado a estas galáxias, que compõem um cenário de grande beleza em nosso céu, e que têm grande importância na história das descobertas científicas em Astronomia.
Sendo galáxias, as Nuvens de Magalhães são constituídas por estrelas. Mas como em toda galáxia, entre as estrelas, existe também muito gás (especialmente hidrogênio, o elemento químico mais abundante em todo o universo) e muita "poeira", aglomerados de partículas de dimensões muito maiores do que as mais simples moléculas. As partículas mais comuns são fragmentos microscópicos de grafite, o mesmo de nossos lápis e lapiseiras... Estas partículas de poeira podem ser também macromoléculas orgânicas.
As Nuvens de Magalhães estão localizadas a 180.000 anos-luz de distância e estão entre as primeiras na lista das galáxias mais próximas da Via Láctea. As galáxias "Anã do Cão Maior" (descoberta em 2003) e "Anã de Sagitário" (descoberta em 1994), são nossas vizinhas mais próximas, estando a aproximadamente 50.000 e 90.000 anos-luz da nossa galáxia, respectivamente. Elas são, no entanto, de difícil visualização, pois se confundem com as estrelas, gás e poeira de nossa própria galáxia, uma vez que estão sobrepostas à região de maior concentração de matéria da Via Láctea. Estas e outras galáxias-satélites --- são cerca de vinte! --- estão em constante movimento ao redor da Via Láctea, e a ela estão presas pela força gravitacional. Excluindo-se as galáxias-satélites da Via Láctea, as outras galáxias estão a distâncias de muitos milhões de anos-luz de nós. Por exemplo, a galáxia de Andrômeda, a qual é bastante semelhante à Via Láctea, é a mais próxima entre as mais distantes, e localiza-se a uma distância de 2 milhões de anos-luz. A distância de 1 ano-luz é igual à distância percorrida por um raio de luz no período de 1 ano. Trata-se de uma longa distância! Para se ter uma idéia desta distância basta dizer que o Sol se localiza a uma distância de 8 minutos-luz da Terra, ou seja, a luz solar demora aproximadamente 8 minutos para se deslocar da superfíce do Sol até a superfície da Terra. É o equivalente a 150 milhões de quilometros!
A Pequena Nuvem está um pouco mais distante de nós do que a Grande Nuvem. As duas Nuvens são unidas por uma nuvem "invisível" de hidrogênio, a qual só pode ser "vista" com o auxílio de um telescópio especial denominado "rádiotelescópio", o qual detecta as ondas de rádio emitidas pelos átomos de hidrogênio.
As Nuvens de Magalhães fotografadas por David Malin, utilizando equipamento do Observatório Anglo-Australiano, localizado na Austrália. A Grande Nuvem é vista no canto superior direito da fotografia e a Pequena Nuvem no canto inferior esquerdo.
Para vermos as Nuvens de Magalhães precisamos ter boas condições de céu. Isso só é possível fora da poluição (incluindo a poluição luminosa) característica das grandes cidades. Quem estiver em regiões de céu mais escuro, poderá ter uma ótima visão dessas nossas vizinhas. As noittes sem Lua, ou de Lua pouco brilhante, são particularmente favoráveis pois o brilho do céu fica enormemente diminuído, facilitando a visualização de objetos celestes de pouco brilho.
Como encontrar as Nuvens de Magalhães no céu? É muito fácil. Localize as duas estrelas mais brilhantes do céu: Sirius ("alfa", isto é, "a mais brilhante" da constelação do Cão Maior), e Canopus (alfa da constelação de Carina). Nos fim e início de cada ano, elas podem ser encontradas facilmente em direção ao horizonte Sudeste, por volta das 21 horas, Próximo a Sirius, na direção Leste, está a constelação de Órion, o Caçador, onde podem ser vistas as famosas Três Marias, A estrela mais brilhante de Órion é Rigel. Ela está bem próxima de Sirius. A separação angular, ou seja, a separação vista no céu, entre Sirius e Rigel é mais ou menos dois terços da separação entre Sirius e Canopus. Esta, por sua vez, está mais próxima da direção Sul do que Sirius. E as Nuvens de Magalhães?
Sirius e Canopus "apontam" para elas. Imagine uma linha reta, começando em Sirius, e passando por Canopus. A uma distancia um pouco inferior à metade da separação entre Sirius e Canopus, medida a partir de Canopus, encontra-se a fabulosa GRANDE NUVEM DE MAGALHÃES! Prolongue mais um pouco, e lá estará, mais fraca, a PEQUENA NUVEM DE MAGALHÃES! E não se esqueça de que são galáxias! Milhões de estrelas juntas devido à gravidade entre elas; e elas por sua vez, presas à gravidade de nossa Galáxia!
Fotografia obtida por Akira Fujii, onde podem ser vistas as Nuvens de Magalhães e as estrelas que apontam para elas, Sirius e Canopus. A estrela mais brilhante de todo o céu, Sirius, está acima e à esquerda. A constelação de Órion está à direita de Sirius, sendo Rigel a sua estrela mais brilhante. As Três Marias são três estrelas enfileiradas logo acima de Rigel. Canopus, a segunda estrela mais brilhante do céu, está bem abaixo de Sirus, e ambas apontam para a Grande Nuvem de Magalhães. A Pequena Nuvem, mais fraca, está abaixo da Grande Nuvem, para a direita. Utilize esta fotografia para localizar as Nuvens, a partir de seu ponto de observação. A fotografia apresenta a seguinte orientaçao: a direção Leste está à direita e a direção Sul está para baixo.
Quem quiser ver as Nuvens de Magalhães não precisa esperar até o fim do ano, quando os horários de observação são bem mais convenientes. Em setembro, deverá programar as suas observações para as madrugadas! Às 4 e meia da manhã Sirius e Canopus estão bastante bem posicionadas nas direções mencionadas acima e as Nuvens de Magalhães podem ser vistas. Mas --- é preciso repetir ---, infelizmente, teremos bastante dificuldade de observar as Nuvens nos céus de Belo Horizonte, devido à combinaçao de uma atmosfera poluída e de iluminação artificial excessiva. No entanto, mesmo assim, os "ponteiros", as estrelas Sirius e Canopus, poderão ser facilmente vistas, bem como Rigel. Quem se encontrar nas imediações de Belo Horizonte poderá ver as Nuvens sem maiores problemas. Basta se animar a levantar bem cedo!
Mas não desanime. Há dois fatores que brevemente colocarão as Nuvens em ótimas condições de observação.
Primeiro, note que durante o transcorrer de uma noite a posição dos objetos no céu vai mudando. Devido ao movimento de rotação da Terra em torno de seu próprio eixo, nós, no hemisfério Sul, vemos os objetos no céu girarem em torno do "pólo Sul celeste" (ponto para onde aponta o eixo de rotação da Terra). Além disso, a Terra realiza também o seu movimento anual de translação em torno do Sol. Os movimentos combinados de rotação e translação da Terra resultam em que o "nascer" das estrelas no horizonte "se adiante" 4 minutos a cada dia e 2 horas a cada mês. Por isto, em poucos meses, Sirius, Canopus e as Nuvens estarão "nascendo" por volta das 18 horas e estarão perfeitas para observação por volta das 21 horas. Quem não se animar a madrugar agora, é só aguardar o início de novembro e os meses seguintes. As condições serão então excelentes para um verdadeiro passeio pelas galáxias!
*Domingos Sávio de Lima Soares é físico, astrônomo e professor do departamento de física da UFMG.
3 comentários:
fascinante *-*...
po adoro ver essas fotos de estrelas... tem azul, branca, e laranja né? mto legal!
fotos de estrelas é mto legal!
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