Por Sérgio Abranches
A China procura avançar em medidas de sustentabilidade. Entre os países do Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) é o que está levando mais a sério a busca de um caminho para a economia verde. Isto não a torna nenhum paraíso de sustentabilidade. Continua sendo uma economia dominada pelos fósseis. Mas esse lado verde é o que mais cresce no mundo e já se discute uma nova medida para o “PIB verde”.
Recentemente o todo poderoso Conselho do Estado anunciou plano de trabalho para economia de energia e redução de emissões dos principais poluentes e gases de efeito estufa nas províncias.
Ele estabelece metas compulsórias de intensidade de energia para as províncias e destaca várias políticas para que sejam alcançadas. As metas divulgadas têm como horizonte 2015 e são compatíveis com a meta nacional de queda de 16% na intensidade de energia e 17% na intensidade de carbono do PIB. Metas com as quais a China, inclusive, se comprometeu em Copenhague, na COP15.
As metas provinciais de redução de intensidade de energia variam de 10% a 18%, de acordo com o tipo de economia de cada província. É como se houvesse metas compulsórias de redução para os Estados brasileiros, baseados nas emissões de carbono e intensidade no uso de energia em cada um deles. Faltam, ainda, as metas de intensidade de carbono, que devem ser objeto de outro plano de trabalho.
Está em discussão na Academia de Ciências da China um novo índice para medir não apenas o crescimento quantitativo da economia, mas também sua qualidade. É o Índice de qualidade do PIB, desenvolvido pelo economista Niu Wenyuan, que já havia criado o índice para o PIB Verde. O governo chinês quase adotou o PIB Verde. Chegou até a publicar uma primeira versão. Mas as principais lideranças provinciais se opuseram, porque são avaliadas com base nos índices de desenvolvimento de suas províncias. Como as que crescem mais poluem mais, temem que índices verdes reduzam a exuberância do crescimento que obtêm.
Niu Wenyuan disse que a oposição principal ao seu novo índice também está vindo exatamente das lideranças provinciais. Elas argumentam que seu desempenho será desqualificado pelos componentes que medem poluição. Mas agora Niu Wenyuan tem um argumento forte: pelas novas diretrizes de trabalho do Plano Quinquenal de Desenvolvimento para 2011-2015, as províncias terão que cumprir metas de intensidade de energia e de carbono. Portanto, já terão que cuidar mais dos aspectos de qualidade que o novo índice calcula.
O índice tem cinco componentes: qualidade econômica, que considera o uso de recursos e energia para gerar cada dez mil yuan (a moeda chinesa) do PIB; qualidade social, medindo as diferenças de rendimentos entre ricos e pobres (um índice de desigualdade); qualidade ambiental, que avalia a quantidade de resíduos e carbono gerado por cada dez mil yuan de PIB; qualidade de vida, que considera os indicadores básicos de desenvolvimento humano, como expectativa de vida e educação; qualidade de gestão, que mede a proporção da receita de impostos usada para segurança pública, a durabilidade da infraestrutura e a proporção de funcionários públicos na população total.
O que os relatos vindos da China dizem é que o presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao respeitam muito Niu Wenyuan, que é assessor do todo-poderoso Conselho de Estado e está no topo da hierarquia da Academia de Ciências. O que se diz é que os dois dirigentes supremos gostam da ideia de criar uma medida verde para o PIB.
A Índia está buscando outro caminho. Mais complicado e mais controvertido. Anunciou que será o primeiro país a medir sua riqueza natural. Quer estimar o valor econômico de sua biodiversidade e dos serviços ambientais que ela presta ao país. Embora mais complexo, esse caminho ganhou o reforço de um alentado estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a economia dos ecossistemas e da biodiversidade.
Índices que corrigem ou substituem o PIB provavelmente entrarão nas discussões da Rio+20 sobre economia verde. Realmente, o PIB, que todo mundo gosta que cresça, mede como positivos muitos aspectos altamente negativos do crescimento. Não desconta a maioria das externalidades negativas do crescimento. Quando se fala disso para uma audiência de economistas, a maioria torce o nariz. Aconteceu comigo recentemente.
Eduardo Giannetti da Fonseca, em uma mesa-redonda em São Paulo, na qual estivemos juntos, argumentava que o excesso de carros na rua, criando engarrafamentos gigantescos e grande demanda por serviços médicos e medicamentos por causa de doenças causadas pela poluição fazem o PIB da cidade crescer. F. S. Michaels em seu livro Monoculture – How one story is changing everything, dá outro exemplo. Se, de repente, um estado nos Estados Unidos resolvesse liberar a venda e o uso de armas para controlar um surto de violência urbana, seria uma tragédia. Se todos os adultos comprassem uma arma e resolvessem entrar no bangue-bangue, seria um tiroteio diário, com incontáveis mortos e feridos. Mas o aumento da venda e produção de armas e munições, a grande demanda por hospitais, médicos, medicamentos, ataduras, funerárias… faria o PIB do estado crescer.
A ideia de incluir componentes que descontem esses efeitos colaterais negativos do crescimento na qualidade de vida, no ambiente, no clima não é apenas boa. É necessária e inevitável. Mas será preciso uma longa batalha de ideias, acadêmica, política, jornalística, até que prevaleça.
* Para ouvir o comentário do autor na rádio CBN clique aqui.
*Sérgio Abranches, PhD, sociólogo, cientista político é analista político. Escreve sobre Ecopolítica. É comentarista da rádio CBN, onde mantém o boletim diário Ecopolítica, colaborador permanente do blog The Great Energy Challenge, uma parceria entre o Planet Forward e a National Geographic. Autor de Copenhague: Antes e Depois, Civilização Brasileira, 2010, sobre a política global do clima.
fonte: ecopolítica
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