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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Amor ao primeiro odor: a comunicação química entre os insetos

Por J. Tércio B. Ferreira, Paulo H.G. Zarbin

Duas questões estão preocupando sobremaneira o setor agrícola nacional neste momento: produzir alimentos sem resíduos tóxicos e baixar o custo de produção. Porém, a utilização de agrotóxicos para combater as pragas de plantas cultivadas representa um fator contrário ao desejado. Diferentes métodos de controle de insetos em que não se dependa exclusivamente de agrotóxicos vêm sendo estudados por cientistas em várias partes do mundo.

Este texto apresenta uma discussão sobre a utilização de feromônios como uma possibilidade alternativa e promissora de combate a essas pragas. Serão também abordados alguns conceitos e técnicas básicas empregados neste processo.

“Quando eu [JTBF] era criança, minha tia passava melado na parede fazendo riscos tortuosos para atrair formigas, de forma que pudesse também me atrair, pois eu me deleitava vendo aqueles pequenos insetos seguir a trilha formada pelo melado, num vai e vem constante, encontrando-se de vez em quando. O que eu não sabia, e na época poucos cientistas sabiam, era que as formigas seguiam suas próprias trilhas marcadas por secreções contendo substâncias químicas que hoje denominamos feromônios” (Fig. 1).

Figura 1: Marcação de trilha por formigas.
Feromônios são substâncias químicas secretadas por um indivíduo (nesse caso, um inseto) que permite a comunicação com outro indíviduo da mesma espécie. É uma linguagem intra-específica. Assim, formigas lava-pé não irão entender a linguagem de formigas-limão e vice-versa. Muito menos uma abelha entenderá a linguagem de um marimbondo ou de uma barata. Cada espécie possui o seu próprio ‘código’ de comunicação baseado nas diferenças estruturais dos compostos.

O primeiro feromônio de inseto foi isolado e identificado em 1959 por um pesquisador alemão chamado Butenandt, tendo sido o resultado de mais de 20 anos de pesquisas. O inseto empregado foi a mariposa do bicho-da-sedaBombyx mori (Fig. 2A), e a estrutura química atribuída ao feromônio sexual dessa espécie, conhecida como bombicol, é mostrada na Fig. 2B.

Figura 2: A) Mariposa B. mori; B) bombicol, primeiro feromônio sexual isolado de um inseto.
Os feromônios fazem parte de um universo bastante amplo de comunicação química, efetuada por meio de substâncias denominadas semioquímicos (sinais químicos). Assim, os feromônios podem ser classificados de acordo com suas funções em:

a) Feromônio de marcação de trilha: esse é o caso mencionado antes, em que as formigas deixam um rastro químico que somente será detectado e entendido por outras formigas da mesma espécie.

b) Feromônio de alarme: utilizado principalmente por insetos sociais, tais como formigas, abelhas, cupins, marimbondos etc., serve para avisar outros membros da colônia que um inimigo pode estar se aproximando. O odor característico emitido pelos insetos conhecidos por ‘maria-fedida’ ao serem tocados é um exemplo de feromônio de alarme.

c) Feromônio de ataque: utilizado normalmente por insetos sociais, serve para avisar os outros insetos de que devem atacar um intruso.

d) Feromônio de agregação: empregado quando os insetos encontram uma fonte de comida ou um novo lugar para fazer sua moradia, e assim emitem o feromônio para atrair os demais membros da espécie.

e) Feromônio sexual: utilizado para atrair o parceiro para a cópula e assim preservar a espécie, através da procriação (Fig. 3). É interessante mencionar que inicialmente os estudos indicavam que apenas as fêmeas emitiam o feromônio, atraindo os machos. Hoje se sabe que em muitos casos é o macho que emite o feromônio, esperando que as fêmeas venham até ele.

Figura 3: Percevejo escuro Leptoglossus zonatus (considerado uma das maiores pragas do milho no Brasil) copulando, resultado de uma atração efetuada por feromônios sexuais.

Alguns aspectos sobre o controle de insetos

Os insetos são considerados nossos maiores competidores no que diz respeito à alimentação. Nessa disputa, o homem tem recorrido principalmente ao uso de agrotóxicos tradicionais, como compostos organofosforados e clorados. Porém, devido ao largo espectro de ação desses agrotóxicos, juntamente com o seu uso indiscriminado, surgiram várias complicações, entre as quais: desenvolvimento de resistência a esses agentes químicos por parte de vários insetos nocivos, ressurgimento de determinadas pragas em níveis ainda mais altos do que os anteriormente existentes, aparecimento de pragas secundárias devido ao combate indiscriminado a todo tipo de inseto — com a conseqüente dizimação de predadores naturais — e, o mais alarmante, a contaminação ambiental, chegando o agente químico inclusive a ser incorporado a nossa cadeia alimentar, causando sérios riscos à saúde. Merece ser mencionada uma reportagem da Folha de S. Paulo (02/12/96) sobre o grande número de suicídios que vêm ocorrendo em uma comunidade agrícola no Rio Grande do Sul e que talvez possa estar associado com a alta carga de agrotóxicos manipulada por trabalhadores rurais em plantações de fumo.

A solução ideal para o combate aos insetos seria o desenvolvimento de agentes altamente específicos que viessem a atacar apenas as espécies nocivas, não permitissem o desenvolvimento de resistência e não colocassem em risco a preservação do meio ambiente. Ante essas condições, os feromônios ocupam lugar de destaque. Por serem substâncias naturais que regulam comportamentos essenciais para a sobrevivência da espécie, é pouquíssimo provável que os insetos possam vir a desenvolver algum tipo de resistência a eles, à semelhança do que ocorre com agrotóxicos tradicionais. Por outro lado, a possibilidade de haver danos ambientais estaria completamente descartada.

Todo trabalho em que se pretenda compreender a comunicação entre os insetos inicia-se com a observação detalhada de seu comportamento: como eles se agregam, a que horas voam, como é efetuada a corte com fins de acasalamento etc. Essa investigação inicial é efetuada por biólogos treinados no estudo comportamental de determinadas espécies de insetos que se deseja estudar.

Uma vez conhecidos os hábitos básicos do inseto, o químico entra em ação procurando interceptar suas mensagens químicas e decifrá-las, isto é, identificar as estruturas das substâncias químicas que compõem o ‘bouquet’ do feromônio, para tentar reproduzilas em laboratório. Rompida essa barreira, os feromônios seriam empregados em armadilhas para que se possa efetuar captura em massa, interrupção de acasalamento ou monitoramento do grau de infestação, o que permite, com a contagem do número de indivíduos capturados, prever uma possível infestação da praga, proporcionando um controle mais eficaz. Esse método alternativo de controle em que feromônios são empregados é conhecido como metodologia bio-racional de controle de insetos.

Cabe ressaltar que os feromônios não podem ser considerados uma solução isolada ou única para esse tipo de problema. Eles são apenas uma ferramenta a se somar a várias outras (incluindo a utilização racional e controlada de determinados agrotóxicos) na tentativa de controlar as inúmeras pragas existentes em nosso país.

Decifrando o código secreto: extração e identificação dos feromônios

Há basicamente duas maneiras principais para extrair o feromônio de um inseto. A primeira é por meio de um processo chamado ‘aeração’, no qual todas as substâncias voláteis que estariam sendo exaladas pelos insetos (incluindo os feromônios) são carreadas por um fluxo constante de ar e adsorvidas em polímeros especiais. Tais substâncias são posteriormente dessorvidas pela ação de solventes e analisadas. A segunda maneira é por meio da extração direta das glândulas responsáveis pela produção de feromônios, geralmente localizadas na parte posterior do abdômen do inseto. Isso é feito com a imersão do inseto em um frasco contendo um solvente apropriado que extrai as substâncias orgânicas ali presentes.

Nos dois casos, a solução final apresenta uma mistura muito grande de substâncias além daquelas que fazem parte do feromônio. É nesse ponto que começam as complicações que os químicos têm que enfrentar para poder decifrar a linguagem desses pequenos seres.

Antena: um potente detector

Para identificar o feromônio, nada melhor que observar a reação do próprio inseto, ou de alguma parte dele, quando estimulado por um fluxo dessas substâncias. Quando a própria antena do inseto é utilizada para esse tipo de análise, o processo é denominado eletroantenografia e consiste no seguinte: a antena do inseto é cuidadosamente extirpada na base, mantida em soro fisiológico e posicionada entre dois microeletrodos de ouro capilares conectados a um amplificador, de forma a permitir a medida da diferença de potencial entre os microeletrodos. Quando uma substância faz parte do feromônio do inseto, a antena responde por meio de estímulos específicos, fazendo com que a diferença de potencial varie. Essa variação pode ser amplificada e representada graficamente num registrador adequado (Fig. 4). No entanto, se uma antena for submetida simultaneamente a uma mistura de substâncias, não se pode saber quais são as ativas, uma vez que todas estão agindo ao mesmo tempo. A esse problema, os químicos responderam com uma solução muito utilizada rotineiramente em nossos laboratórios: a cromatografia gasosa. Assim, a mistura de substâncias anteriormente isolada é injetada em um cromatógrafo a gás e as substâncias separadas na coluna cromatográfica. No final dessa separação, antes de o material ser enviado ao detector, fazse uma divisão do fluxo e parte dele é submetido à antena. Dessa maneira, a cada pico detectado pode-se associar a resposta da antena, funcionando esta como um detector biológico (Fig. 4B). A partir dessa informação, o químico deve se preocupar apenas em determinar a estrutura química dos compostos que foram ativos na antena. Para tal, utiliza-se rotineiramente da espectrometria de massas, em função de a pequeníssima quantidade (nanogramas) das substâncias ali presentes ser compatível com essa técnica.

Figura 4: A) Estação de acrílico em que estão adaptados os eletrodos e a antena; B) análise simultânea de um cromatograma (I) e de um eletroantenograma (II).

A estrutura química: uma complicação que garante a privacidade

Apesar da enorme diversidade dos insetos, sua comunicação química se faz sem nenhum problema de interferência externa, utilizando-se um grande número de substâncias químicas com estruturas igualmente variadas.

Veja no quadro a seguir alguns exemplos da variedade estrutural dos feromônios de insetos. Uma complicação adicional, garantindo que espécies diferentes não interfiram na comunicação de um determinado inseto, é que na maioria das vezes o feromônio é constituído por mais de uma substância química, apresentando uma proporção definida entre todos os componentes. Observe que o feromônio da mosca-doméstica é constituído por um único componente com uma estrutura química extremamente simples, enquanto o feromônio da mosca-oriental-da-fruta (Grapholita molesta) é constituído pela mistura de quatro substâncias em uma proporção bem definida.

O feromônio do bicudo do algodão (Anthonomus grandis) também apresenta quatro constituintes em sua mistura feromonal, sendo dois aldeídos e dois álcoois.

Epóxidos, cetonas, ácidos carboxílicos e amidas são grupos funcionais também presentes em muitos feromônios de insetos. Estruturas mais complexas contendo vários grupos funcionais, como a periplanona B (uma cetona macrocíclica), feromônio da barataPeriplaneta americana, também fazem parte do universo da variedade estrutural dos feromônios de insetos.


Uma vez identificada a estrutura química do feromônio, o químico poderá sintetizá-lo em laboratório e submetê- lo a ensaios biológicos para se certificar de que ele foi corretamente identificado. Muitos feromônios foram identificados incorretamente e, quando as amostras sintéticas obtidas foram submetidas aos insetos, estes não entenderam a ‘mensagem artificial’ e portanto não reagiram como esperado.

Aplicações de feromônios no Brasil

Um dos melhores exemplos da aplicação de feromônios no Brasil é o caso do besourocontendo apenas um miligrama de feromônio sintético (vide estrutura no quadro acima), começaram a ser colocadas nos carreadores dos canaviais de usinas paulistas e paranaenses no início de 1995. Instaladas em armadilhas de plástico enterradas no solo, as iscas atraíam os besouros para uma cavidade ligada a um recipiente plástico do qual não conseguiam sair (Fig. 5). A coleta de besouros atraídos pelas iscas contidas em quatro mil armadilhas chegou a seis milhões de machos.

Figura 5: Modelo brasileiro das armadilhas utilizadas para captura do M. fryanus (esq); armadilhas semi-enterradas no solo: aumento da eficiência (dir).
O feromônio do bicudo-das-palmáceas (Rhyncophorus palmarum) deve começar a ser comercializado este ano, para uso nas plantações de dendê e de coco-da-bahia. Nos pomares de maçã dos estados do Sul, estão sendo feitos experimentos que utilizam armadilhas com iscas químicas para monitorar a infestação da lagarta-enroladeira,Benagota sp. O uso do feromônio da traça de tomateiro, Tuta absoluta, também já está em testes avançados, assim como o da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), principal praga dos milharais no país.

O emprego de feromônios no controle de insetos é um exemplo de atividade que para ser bem-sucedida exige a colaboração de diversos profissionais: biólogos, químicos, agrônomos etc. Essa metodologia vem sendo aos poucos implantada no Brasil.

Referências

FERREIRA, J.T.B. A contribuição fundamental da síntese orgânica no estudo de feromônios. Química Nova, 16, 454, 1993.

AGOSTA, W.C. Chemical comunication: the language of pheromones. Nova York: Scientific American Library, 1992.

GUIMARÃES, O. Controle biológico — atração fatal. Globo Rural, n. 140, p. 7, jun. 1997.

VILELA, E.F., FERREIRA, J.T.B., GASPAROTO, J.V., MOURA, J.I.L. Feromônios no controle de pragas. Ciência Hoje, v. 10, n. 32, 1989.

Saiba Mais

FERREIRA, J.T.B. A contribuição fundamental da síntese orgânica no estudo de feromônios. Química Nova, 16, 454, 1993.

fonte: Química Nova na Escola, n. 7, maio 1998 

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